A divisão Leste-Oeste está se sedimentando, e não apenas economicamente.Aos 30 anos se é relativamente jovem na Alemanha, já que a idade média é de pouco menos de 45. Do ponto de vista estatístico, as mães têm seu primeiro filho aos 30 anos, não importa em que parte do país. Nesse ponto, não há mais diferenças entre Leste e Oeste.
Mas antes da reunificação alemã, em 3 de outubro de 1990, a situação era outra: as mães da antiga República Federal da Alemanha (RFA) tinham em média 27 anos; as da República Democrática Alemã (RDA), 24. No tocante ao planejamento familiar, portanto, as condições de vida se nivelaram.
“Desde 1990, a Alemanha se tornou muito igual em diversos aspectos”, avalia Marco Wanderwitz, comissário do governo alemão para os Novos Estados Federais (unidades da antiga Alemanha Oriental que foram incorporadas à RFA com a reunificação do país), citando, como exemplos, atividades de lazer e participação em clubes.
Para Wanderwitz, em qualquer estatística que se analise, “encontram-se mais semelhanças do que divergências”. Sério? O Relatório Anual sobre o Estado da Unificação Alemã, que ele apresentou em meados de setembro, permite tirar outras conclusões.
O cenário parece menos otimista, sobretudo quando se trata de dados concretos: o poder econômico dos cinco estados federais do Leste é de apenas 73% da média alemã. E a renda, com pouco menos de 89%, ainda está bem abaixo do nível ocidental.
O comissário federal para o Leste da Alemanha Oriental admite o déficit, mas espera uma reversão da tendência: graças à presença de empresas de tecnologias de futuro, como no caso da fabricante de carros elétricos Tesla perto de Berlim. Concretamente, ele aponta investimentos nos setores de mobilidade, hidrogênio e inteligência artificial (IA).
Nesse ponto, Wanderwitz, da União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, está de acordo com Dagmar Enkelmann, presidente da Fundação Rosa Luxemburgo, filiada ao partido A Esquerda, cuja tendência política é, de resto, diametralmente oposta.
Enkelmann também destaca as diferenças econômicas, que representavam “um desenvolvimento diferente no Leste, também no futuro, é claro”. Hoje, o desafio é descobrir “como se contrapor isso na política de desenvolvimento regional e de estrutura econômica”, disse em entrevista à DW.
Após um ceticismo inicial, a ex-parlamentar – que atuou tanto na antiga Volkskammer da RDA quanto no atual Bundestag – diz ter feito as pazes com a reunificação alemã: “O mundo está mais colorido e o ar ficou mais limpo.” Com isso, Enkelmann pôde formar sua própria visão de mundo: os cidadãos da RDA, que até 1990 só conheciam o Ocidente pela televisão, agora podem viajar por todo o globo. “Eu vi muito desde então”, comenta.
O sonho da “euforia da Reunificação”
Apesar de todas as críticas referentes às diferenças ainda existentes, a conclusão de Einkelmann é positiva: “Esse foi o caminho certo para a maioria das pessoas na Alemanha”. Hoje com mais de 60 anos, ela ainda tem arrepios ao olhar as fotos de 3 de outubro de 1990. A euforia “ainda existe de alguma forma”.
O comissário Wanderwitz espera poder inclusive reviver a “euforia da Reunificação”. Para isso, afirma, é necessária a participação não só da população, como também da política. Mas o comissário, que também veio da RDA, está preocupado com o apreço cada vez menor pela democracia por parte dos cidadãos do território da antiga Alemanha Oriental: apenas 78% a veem como a melhor forma de organização da sociedade para a Alemanha; no oeste, são 91%.
Marco Wanderwitz aponta resultados eleitorais mais elevados para os partidos de direita e um número relativamente mais alto de crimes extremistas de direita. Esse é um ponto que ele considera particularmente importante, “mas que também deveria ser muito importante para a política e para a sociedade em geral”. Até por razões econômicas, pois, conforme aponta, a manutenção do poder econômico e dos serviços no Leste “só será possível com a imigração”.
Muitos jovens ainda vão para o Oeste porque quase todas as grandes empresas das indústrias automotiva e química estão lá – e, com elas, mais empregos e melhores salários. No entanto, Wanderwitz espera uma migração dentro da Alemanha rumo aos chamados novos estados, que há 30 anos integram a República Federal ampliada.
AfD não é só fenômeno do Leste
Mas já que isso pode permanecer um mero desejo, Marco Wanderwitz cogita cada vez mais atrair novos trabalhadores de outros países – sobretudo da Europa, devido à proximidade cultural. Assim, ele acredita que os poloneses impedidos de permanecer no Reino Unido por causa do Brexit acorrerão em maior número para o Leste alemão. “Mas claro que temos que olhar para o mundo todo! Isso, naturalmente, também subentende cosmopolitismo e cultura de boas-vindas.”
Porém está claro que isso representa uma dificuldade maior para os alemães no Leste do que para os do Oeste, com indicam os sucessos eleitorais do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), populista e, de acordo com o Departamento de Proteção da Constituição, em parte extremista de direita.
Em todos os cinco estados federais da ex-Alemanha Oriental, a legenda foi eleita para as câmaras estaduais, em parte com bem mais de 20% dos votos. “O Leste vota, definitivamente, diferente do Oeste”, avalia o historiador Frank Bösch, do Centro de Leibniz para Pesquisa Contemporânea em Potsdam, embora falando de modo geral, não apenas em relação à AfD.
“Inicialmente, isso também se aplica ao A Esquerda, que era um partido popular no Leste por muito tempo e, em muitos casos, ainda é”, prossegue Bösch. É fato que os “partidos clássicos” – CDU, Partido Social-Democrata (SPD), Liberal Democrático (FDP) e Verde – enfrentam mais dificuldades do que no Oeste, mas a AfD “não é um fenômeno puramento do Leste”, salienta.
Uma espiada no mapa político da Alemanha confirma que a AfD está agora por toda parte, inclusive no Bundestag (câmara baixa do parlamento federal), onde é o maior partido da oposição desde 2017. Como apontou o historiador Frank Bösch, os resultados de dois dígitos nas eleições do “próspero Sul”, indicariam que o sucesso da sigla é mais do que uma questão de falta de poder econômico e abertura para o mundo. Na Baviera, a legenda que aposta em isolamento e redução da imigração recebeu mais de 10% dos votos nas últimas eleições estaduais; em Baden-Württemberg, mais de 15%.
Território da antiga RFA é mais internacional
Nos dois estados mais bem-sucedidos economicamente, a proporção de estrangeiros está acima da média alemã de 12%. Explicar com isso o sucesso dos populistas de direita seria muito fácil. Pois assim a AfD teria uma existência marginal no Leste, onde a proporção média de estrangeiros é de apenas 5%. O fato de a estrutura populacional no Oeste ser mais diversificada e internacional, mesmo 30 anos após a Reunificação, deve-se principalmente à imigração que começou lá por volta de 1960.
Excetuada a capital, Berlim, situada no Leste, e de polos universitários atraentes como Leipzig, Dresden ou Potsdam, o apelo do Oeste deverá continuar maior por muito tempo. O comissário federal para o Leste também sabe disso. Quando Marco Wanderwitz apresentou o relatório atual sobre a situação da unidade alemã, ele contou sobre sua reunião de classe, 25 anos depois de se formar no ensino médio: era possível contar nos dedos de uma mão quantos permaneceram na Saxônia natal. “O resto está em algum lugar da antiga República Federal, na Suíça, na Áustria.”
O comissário tem observado em seu estado natal uma tendência de emigração decrescente. “Agora não são mais classes inteiras do ensino médio que abandonam o país; quase ninguém vai”. E se vai, é para estudar “e idealmente volta depois”, diz Wanderwitz. E nesta última frase, percebe-se seu tom de esperança de que as condições de vida na Alemanha se equiparem ainda mais.
Adaptação: Isadora Pamplona