HAMBURGO, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Mais de 100 mil pessoas voltaram a se reunir em Minsk e em dezenas de cidades da Belarus (pronuncia-se Belarús) neste domingo (23), 15º dia de protestos desde a contestada eleição presidencial do dia 9, cujo resultado divulgado pelo governo deu um sexto mandato ao ditador Alexandr Lukachenko.
Na capital bielorrussa, o regime aumentou a pressão sobre os manifestantes, fechando saídas de metrô no centro da cidade, ameaçando os participantes de prisão, espalhando centenas de tropas de choque (Omon) e do Exército pela cidade e cercando com arame farpado a esplanada do Herói Nacional, palco da manifestação recorde do domingo passado.
O próprio ditador chamou os manifestantes de “ratos” e foi visto em imagens da mídia estatal com coletes à prova de balas e segurando um rifle. Pela manhã, jornalistas chegaram a ser detidos por alguns minutos na esplanada por soldados do Exército e liberados com a recomendação de não voltar -ou então seriam presos. Em vários pontos da cidade, manifestantes eram advertidos por alto-falante a se dispersar, sob risco de prisão.
As medidas de intimidação não impediram que as avenidas centrais de Minsk se transformassem em rios de gente pela segunda vez no mês, pedindo a saída do ditador e a realização de novas eleições livres.As palavras de ordem “Jyve Belarus” (viva a Belarus) e “Urradí” (Fora!) voltaram a ser gritadas em uníssono pelos manifestantes, que lotaram a praça da Liberdade, em frente ao Parlamento.
Um minuto de silêncio foi respeitado em homenagem às vítimas da repressão, que fez centenas de feridos e, neste sábado (22), contou a quarta morte. Nikita Kryvtsov, 28, foi encontrado morto em Minsk. Um vídeo dos protestos no dia 9 mostra que ele segurava uma bandeira histórica em frente à tropa de choque. Segundo a polícia, não há indícios de espancamento, e o ativista teria se enforcado.
No dia 19 foi encontrado, também enforcado, segundo a polícia, o corpo de um diretor de museu de 29 anos que se recusara a assinar o relatório de sua seção eleitoral, afirmando que o documento havia sido fraudado. Depois do protesto, alguns manifestantes foram até as barricadas formadas por centenas de militares do Exército e policiais da tropa que choque, perto do obelisco. Alguns se ajoelharam no chão enquanto outros se aproximaram de cadeiras de rodas.
Pela primeira vez, alguns dos participantes começaram a empunhar duas bandeiras. Numa das mãos levam a de listras branca, vermelha e branca, símbolo dos oposicionistas, que foi bandeira oficial do país de 1991 a 1995 e remete à República Democrática Bielorrussa -breve momento em que os bielorrussos constituíram uma nação independente em 1918.
Na outra, levam a de faixas verde e vermelha, atual bandeira do país, que vinha sendo usada apenas pelos apoiadores do ditador. “Gosto das duas bandeiras, então hoje carrego as duas”, disse o desenvolvedor de games Alexander ao site noticioso Tut.by. “As autoridades querem criar divisões entre nós, mas não somos partidários de oponentes geopolíticos. A nação é uma só, e elegeu Svetlana Tikhanovskaia”, afirmou, em referência à candidata da oposição.
Tikhanovskaia, 37, que assumiu a candidatura depois que seu marido foi preso, mobilizou dezenas de milhares de pessoas no país antes das eleições. O resultado oficial que lhe deu apenas 10% dos votos foi o estopim para os protestos que varreram a Belarus e foram reprimidos com brutalidade.
Ameaçada, a opositora se exilou na Lituânia, mas os manifestantes a consideram a presidente eleita. Um conselho de transição tenta negociar com o governo uma mudança pacífica de poder e novas eleições, mas a ditadura não aceitou o pedido de diálogo e abriu um processo criminal contra o grupo.
Ao carregar duas bandeiras, Alexander e outros manifestantes tentam também desarmar a estratégia de Lukachenko de atrair apoio russo contra a oposição. “Não somos como a Ucrânia, somos mais como a Armênia”, afirmou o profissional. A diferença tem sido apontada também por vários analistas, que veem na história recente armênia a melhor saída para a Belarus.
“Os protestos bielorrussos não podem ser comparados à revolta ucraniana. Na Belarus a questão é claramente doméstica, e não de orientação mais pró-Rússia ou mais pró-Europa, como no país vizinho”, argumenta o ex-premiê sueco Carl Bildt, co-diretor do ECFR (Centro Europeu de Relações Internacionais).Para Bild, a melhor comparação é mesmo com a Armênia, em que protestos massivos levaram à renúncia do longevo presidente Serzh Sargsyan, em 2018, e à substituição por um governo considerado confiável pelos russos.
Para que a transição seja suave, a orientação externa da Belarus tem que estar fora da mesa de discussão, afirma ele, e os países ocidentais devem aceitar que uma nova democracia bielorrussa ainda será dependente economicamente da Rússia por muitos anos.O ditador bielorrusso tem tentando inflamar os ânimos externos, fazendo incursões às fronteiras de uniforme militar e afirmando que “potências estrangeiras” estão elevando o número de tropas nas vizinhanças do país.
Lukachenko acusa a Polônia e a Lituânia de “abalar a situação do país para derrubar as autoridades” e prometeu “usar força máxima para defender a Belarus”. As manobras voltaram a ser negadas pela Otan (aliança militar do Ocidente). “O regime está tentando desviar a atenção dos problemas internos a qualquer custo, com declarações totalmente infundadas sobre ameaças externas imaginárias”, disse o presidente lituano, Gitanas Nauseda.
Os russos adotaram por enquanto apenas um discurso de advertência ao Ocidente, sem se mover para apoiar Lukachenko. “A Belarus é capaz de resolver seus problemas sozinha”, disse neste domingo o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov.Uma “corrente humana” também começou a se formar por volta das 17h (hora local, 12h do Brasil), na Lituânia. Cerca de 50 mil pessoas se dispuseram a formar um “caminho da liberdade” ligando a capital lituana, Vilnius, à fronteira com a Belarus.
O ato foi programado para coincidir com o 31º aniversário de uma manifestação semelhante, o “caminho do Báltico”, quando 2 milhões de habitantes formaram uma corrente humana de 670 km percorrendo Lituânia, Letônia e Estônia, em 1989, pela independência de seus países.
ISTO É BELARUS – Em março de 1918 foi criada a República Popular Bielorrussa, no território considerado etnicamente bielorrusso. O país tinha Constituição própria e foi reconhecido por nações vizinhas, mas sua independência foi breve: em 1919, foi ocupado pelos soviéticos.
– Foi considerada um país independente em 1991, após a dissolução da antiga União Soviética. Antes disso, esteve sob domínio de Rússia, Polônia e Lituânia;
– A atual Constituição foi adotada em 1994, quando também ocorreram as primeiras eleições presidenciais;
– Aleksandr Lukachenko foi o eleito e permanece na liderança do país há 26 anos, após emendas constitucionais baseadas em referendos amplamente contestados;
– Considerado um dos mais repressivos regimes da Europa, a Belarus realizou eleições não democráticas, suprimiu a oposição política e silenciou a imprensa;
– No ranking da Freedom House, que monitora as democracias pelo mundo, a Belarus tem a sétima pior pontuação e é classificada como um regime autoritário.
ECONOMIA
Formação do PIB:
– serviços: 51,1%
– indústria: 40,8%
– agricultura: 8,1%
– O segmento de serviços emprega a maior parte da força de trabalho, com destaque para os setores bancário, imobiliário e de comunicações;
– Belarus é hoje o principal hub de tecnologia da informação na Europa. Exportou US$ 15 bilhões em 2019, ou 35,6% das receitas de exportação;
– Atividades industriais se concentram na fabricação de veículos pesados, principalmente caminhões, tratores e escavadeiras;
– No segmento agrícola, a maior parte da produção é voltada para batatas, beterrabas, cevada, trigo, centeio e milho;
– O turismo da Belarus é menos desenvolvido que nos países vizinhos. Os destinos mais visitados são o Parque Nacional Belovejskaia, Patrimônio Mundial pela Unesco, e a Fortaleza do Herói em Brest, palco da resistência soviética à invasão nazista em 1941.
GRUPOS ÉTNICOS*
bielorrussos: 83,7%
russos: 8,3%
ucranianos: 1,7%
outros**: 3,2%