O presidente esbravejou a apoiadores em Minsk neste domingo (16) que o país tinha “tanques e aviões” da Otan (aliança militar ocidental) às suas portas
A oferta de ajuda militar do Kremlin a Aleksandr Lukachenko é um nada sutil lembrete ao Ocidente sobre quem manda naquele canto da Europa, mas não resolverá os problemas do autocrata bielorrusso em casa.O presidente esbravejou a apoiadores em Minsk neste domingo (16) que o país tinha “tanques e aviões” da Otan (aliança militar ocidental) às suas portas. Bom, isso ele sempre teve, já que a Polônia é um dos países mais assertivos do clube liderado por Washington.
Como retórica de unificação nacional, a chance de o autocrata convencer alguém de que o Ocidente está prestes a invadir o país é próxima de zero. As multidões opositoras que foram depois às ruas da capital provaram isso de forma cabal.É o pior dos mundos para Lukachenko. Durante anos, ele foi um parceiro arredio de Vladimir Putin, assegurando os interesses estratégicos (o país é um tampão entre a Rússia e a Otan) e energéticos (um quinto do gás e um quarto do petróleo russos para a Europa passam por lá) em troca de generosos favores.
Na concepção de Putin, tudo isso levaria à fusão dos países sob o chamado Estado da União, um acordo de 1999 nunca totalmente implementado -até porque ele implicaria a perda de soberania de Minsk. Lukachenko, no poder desde 1994, sempre se achou mais esperto que os russos. Obteve duas décadas de energia subsidiada e ainda lucra com a venda de derivados de petróleo refinados em seu território para vizinhos, fortaleceu sua posição interna e não cedeu controle a Moscou.Isso até o começo deste ano, quando Putin perdeu a paciência e cortou subsídios dos hidrocarbonetos que envia a Minsk.
A elite local, que não tem interesse em romper laços com Moscou como a ucraniana, ressentiu-se e produziu dois candidatos viáveis para concorrer contra Lukachenko. O resto, a eleição visivelmente fraudulenta e a repressão subsequente, selou o destino de Lukachenko: voltar-se para Putin. Ele até fez acenos ao Ocidente, como a carta diplomática revelada pelo jornal Folha de S.Paulo na sexta (14) mostrou, mas a União Europeia não deu bola e prosseguiu com as ameaças de sanções.Assim, a conversa entre Putin e Lukachenko neste domingo, com a mensagem pública de que Moscou está pronta para ajudar militarmente devido a “pressões externas”, consolida o retorno do autocrata a um caminho de submissão.
Mais que isso, é um recado ao Ocidente, não no sentido de que haja risco de uma guerra, mas informando que, assim como ocorreu na Geórgia em 2008 e na Ucrânia em 2014, Putin não quer saber de estruturas europeias infiltradas junto às suas fronteiras.A leitura de que com isso Putin apoiaria uma repressão militar contra os protestos, por sua vez, parece exagerada.
Pode haver um tom de ameaça, para desencorajar os manifestantes, mas não parece factível que o russo sujaria as mãos de sangue em nome de Lukachenko.Uma intervenção armada seria possível em caso de uma guerra civil. Mas as imagens de policiais e soldados confraternizando com manifestantes, familiares aos russos que acompanharam a tentativa de golpe da KGB em 1991, desautorizam a ideia de que o país possa cair numa anarquia.Segundo observadores da política bielorrussa, a linha foi cruzada por Lukachenko.
Os cartazes de “Agora é tarde para pedir desculpas” falam por si, e a elite está pronta para fornecer um novo governante se Putin assim desejar. Uma alternativa especulada é a de que a crise aceleraria a criação do Estado da União pelo qual o russo tanto trabalhou. Isso poderia alimentar mais protestos: os bielorrussos estão na rua pedindo mais autonomia política, não menos. E aí haveria um risco de escalada de confrontos. Putin move-se com cautela pois tem o tempo e a gravidade econômica a seu favor. Exatamente o contrário do que é ofertado a Lukachenko.