Rodrigo Craveiro
EUA condenam a suspensão e veem nova ”promessa quebrada”.
A erosão da democracia em Hong Kong ocorre por etapas. Em 30 de junho, a China aprovou a polêmica Lei de Segurança Nacional para a ex-colônia britânica — o texto pune com penas severas a subversão, a secessão, o terrorismo e o conluio com forças estrangeiras. Na última quinta-feira, as autoridades da metrópole financeira vetaram 12 candidatos pró-democracia, impedindo-os de disputar as eleições para o Conselho Legislativo (LegCo, parlamento local), até então marcadas para 5 de setembro. Ontem, a mando do Partido Comunista Chinês (PCC), elas desferiram mais dois golpes nas liberdades políticas de Hong Kong: remarcaram a votação para 6 de setembro de 2021 e ordenaram a prisão de seis ativistas no exílio, entre eles Natham Law e Samuel Chu.
“Hoje, anuncio a decisão mais difícil dos últimos sete meses (…), que é a de adiar as eleições para o Conselho Legislativo”, declarou Carrie Lam, chefe do Executivo de Hong Kong. Por sua vez, a emissora estatal CCTV divulgou que “a polícia de Hong Kong ordenou oficialmente a prisão de seis manifestantes que fugiram para o exterior”. A justificativa para o adiamento em um ano das eleições foi a pandemia do novo coronavírus. Até o fechamento desta edição, Hong Kong contabilizava 3.272 casos de covid-19 e 27 mortes. Pequim classificou a medida de “necessária, razoável e legal”.
Um dia após o presidente Donald Trump sugerir o adiamento das eleições nos Estados Unidos, sob a justificativa de potencial fraude no sistema de voto por correspondência, a Casa Branca criticou a suspensão do processo eleitoral em Hong Kong. “Condenamos a decisão do governo de Hong Kong de adiar por um ano as eleições de seu Conselho Legislativo”, declarou a porta-voz, Kayleigh McEnany. Para ela, o adiamento “mina os processos democráticos e as liberdades” da ex-colônia britânica. “Essa é apenas uma da crescente lista de promessas quebradas por Pequim, que prometeu autonomia e liberdades para o povo de Hong Kong até 2047”, comentou.
Um dos ativistas prejudicados pela invalidação das candidaturas, Joshua Wong — um dos líderes da “Revolução dos Guarda-Chuvas”, de 2014 — denunciou “o período de fraude eleitoral mais escandaloso da história de Hong Kong” e desafiou Pequim. “Nossa resistência continuará, e esperamos que o mundo esteja do nosso lado na batalha que está por vir”, comentou o jovem de 23 anos, em uma concorrida entrevista coletiva.
Preço alto – Eugene Perry Link, professor de estudos sobre a China da Universidade da Califórnia (Ucla), explicou ao Correio que as autoridades chinesas sabem que os candidatos a favor da democracia têm muito mais apoio do que aqueles avalizados por Pequim. “A proibição das candidaturas e o adiamento das eleições destinam-se a manter a opinião pública afastada do tema até que, gradualmente, o povo de Hong Kong seja forçado a aceitar o domínio do regime do Partido Comunista Chinês (PCC)”, disse. Na opinião do especialista, Pequim está disposta a pagar um preço alto para impedir a autonomia de Hong Kong. “O presidente Xi Jinping teme que outras cidades, como Shenzhen, Guangzhou, Xangai e Chengdu, também busquem autonomia”, reforçou Link.
Mais de 600 mil cidadãos de Hong Kong participaram, em 11 e 12 de julho, das primárias organizadas pelo movimento pró-democracia. Apesar de a participação ter envolvido apenas pouco mais do que 8% da população, especialistas consideraram a consulta um sucesso popular, segundo a agência de notícias France-Presse.
Único não chinês com mandado de prisão expedido por Pequim ontem e diretor do Conselho de Democracia de Hong Kong (em Washington D.C.), Samuel Chu afirmou ao Correio acreditar que a China está “com medo”. “Isso tudo sempre foi uma questão de controle. Se eles (os líderes do Partido Comunista Chinês) perderem o controle de Hong Kong ou parecerem incapazes de suprimir a oposição, isso ameaçará o domínio dentro da própria China continental”, explicou o filho do reverendo Chu Yiu Ming, pastor batista e cofundador da “Revolução dos Guarda-Chuvas”, de 2014.
Samuel elogia o “tremendo poder de resiliência e a criatividade” exibidos pelos cidadãos de Hong Kong nos últimos anos. “Em 2019, testemunhamos o movimento pró-democracia evoluir e adaptar-se em vários pontos. Haverá mais protestos, mais ações e mais organização. Qualquer repressão por parte das autoridades de Hong Kong ou da China expandirá a base de apoio do movimento”, advertiu.
Duas perguntas para Samuel Chu -Diretor do Conselho de Democracia de Hong Kong (Washington D.C.) e o único não chinês com mandado de prisão expedido pela China:
Como o senhor analisa o expurgo promovido a ativistas pró-democracia pelo governo de Hong Kong e pela China?
O Partido Comunista Chinês (PCC) e as autoridades de Hong Kong entendem que, por causa do momento e da resiliência do movimento de protesto, os candidatos pró-Pequim podem perder as eleições para o Conselho Legislativo. Isso poderia levar a uma maioria esmagadora dos pró-democracia. Isso é o que os ditadores fazem — desqualificar seus opositores e adiar eleições democráticas quando sabem que perderam os corações e as mentes do povo.
Qual é a razão de tal manobra, na sua opinião?
Acho que a intenção deles é estancar a onda pró-democracia. No entanto, o efeito será oposto. Qualquer pouca legitimidade que o governo de Hong Kong deixou agora está destruída. O atraso nas eleições apenas anima e intensifica o apoio e as demandas por reformas democráticas.