“Neste momento o Brasil não tem nenhuma condição de fazer um acordo comercial com a China porque enquanto nós tivermos o Custo Brasil é inviável a exportação de produtos manufaturados, especialmente para a Ásia porque os destinos são longos, o que faz com que os custos de logística sejam proibitivos”.
A afirmação foi feita pelo presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro (foto), ao analisar a assinatura de um acordo de livre comércio com o Brasil defendida pelo ministro-conselheiro da Embaixada da China, Qu Yuhui. Para o diplomata, o acordo contribuiria para um forte crescimento das relações comerciais entre a China e o Brasil.
Posição semelhante é defendida pela Gerente da BMJ Consultores Associados, Verônica Prates (foto), que também considerou remota a possibilidade da assinatura de um acordo de livre comércio Brasil-China. Segundo ela, (a negociação desse acordo) “pode estar no interesse de parte do empresariado e está no interesse da contraparte chinesa mas não vislumbro isso no curto nem no médio prazos. Negociações de acordos de um modo geral entre grandes mercados são bastante complexas por si só. Além disso, existe o receio quanto a se abrir as portas (do mercado brasileiro) para setores extremamente competitivos”.
Por outro lado, Verônica Prates sublinha que “existe também um fator político. Tivemos ao longo desse um ano e meio do governo Bolsonaro alguns atritos diplomáticos envolvendo o embaixador chinês, o chanceler Ernesto Araújo, e a família Bolsonaro, com algumas afirmações relacionando a China à causa (origem) do novo coronavírus e à pandemia. Tem esses atritos que dificultariam ainda mais um estreitamento das relações comerciais com a China”.
Na avaliação da especialista em Comércio Exterior, o setor mais preocupado com os ruídos causados na relação Brasil-China por esses incidentes é o agronegócio, que tem na China seu principal mercado de exportação: “ a ministra da Agricultura tem sido muito vocal em defender a China, que é um parceiro muito relevante para o Brasil. E vai continuar sendo. Há dez anos a China ultrapassou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil e é tanto destino importante das nossas exportações quanto das importações e isso não tende a mudar”.
José Augusto de Castro vê no chamado “Custo Brasil” um grande obstáculo à assinatura de acordos de livre comércio com potências como a China e os Estados Unidos e acredita que “talvez em cinco ou dez anos, quando o Brasil tiver feito as reformas estruturais interna e tenhamos avançado na redução do “Custo Brasil” se possa avançar nesse tema. Para nós é muito interessante ter o mercado chinês aberto. Mas, por enquanto, o mercado pode estar aberto, mas nós não termos condições, por ineficiência e custos competitivos, de participar desse mercado. Por enquanto, um acordo comercial Brasil-China permanece como um sonho de uma noite de verão”.
O “Custo Brasil” é igualmente considerado por Verônica Prates como um grande obstáculo a uma maior abertura comercial do Brasil e, consequentemente, ao avanço das negociações de acordos de livre comércio de grande magnitude.
Segundo ela, “o próprio governo brasileiro mudou um pouco o tom com relação a acelerar essas negociações para dizer sim, concordar que é preciso também em paralelo estar consertando problemas internos, buscar reduzir o Custo Brasil”, diminuir a burocracia brasileira, e isso vai desde a reforma tributária, o que não é nada simples, nem nada que se faça a toque de caixa, até medidas mais práticas de facilitação de comércio, cooperação regulatória, etc. Tem todo um conjunto de passos até se chegar a um acordo de livre comércio. Acredito que o Acordo Mercosul-União Europeia, que teve 20 anos de negociação está aí para demonstrar”.
Na opinião do presidente da AEB, não é a hora de o Brasil cogitar de se envolver em negociações de acordos comerciais com os Estados Unidos e muito menos com a China. Segundo ele, “o Brasil não tem condições de competir no mercado local dos EUA nem da China, pois nossos produtos não têm competitividade nesses mercados. Mas começa a surgir a esperança de uma perspectiva futura, que possa ter como resultado final as exportações de produtos manufaturados para esses mercados. É esperar para ver. Pelo menos é uma luz que se acende”.
Ao mesmo tempo em que descarta a possibilidade da negociação de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, Verônica Prates considera relevante que o Brasil prossiga com as ações de uma maior aproximação com o segundo maior parceiro comercial do país, como vem sendo feito. Ela destaca que “há discussões para se ter um acordo de facilitação comercial, um mecanismo de cooperação regulatória, ao mesmo tempo que se fala de algo em matéria de comércio digital. Tem esse viés. É nessa direção que se deve avançar”.