O Conselho Central dos Judeus na Alemanha foi concebido como instituição provisória: cinco anos após a Shoah, o genocídio de 6 milhões de judeus pelos nacional-socialistas da Alemanha, os representantes das comunidades reagrupadas o fundaram como sinal de existência da vida judaica no país dos assassinos.
As primeiras comunidades já haviam se reanimado algumas semanas depois do fim da Segunda Guerra Mundial, com a vitória dos Aliados sobre a Alemanha nazista, em 1945. Até o fim daquele ano, foram novamente fundadas 51 comunidades judaicas no país.
À época da criação do Conselho Central, vivia na Alemanha um total de 15 mil judeus. Na cerimônia de fundação, em 19 de julho de 1950, em Frankfurt, também estavam presentes representantes de comunidades da Alemanha Oriental. No país sob regime socialista, contudo, na ausência de uma instituição comparável, o número de judeus minguou: em 1989 havia menos de 500 deles, distribuídos em cinco comunidades.
“O Conselho Central não foi fundado para representar os judeus na Alemanha sob o aspecto ‘vida judaica dentro de 50, 70, 100 anos'”, explica Josef Schuster, há quase seis anos presidente do grêmio. Ao contrário, foi imaginado como “uma organização de apoio”, para facilitar a “migração” dos sobreviventes da perseguição nazista na Europa Central e Oriental, e “também a emigração” de judeus para fora da Alemanha.
Isso não ocorreu: as cidadãs e cidadãos judaicos permaneceram onde suas famílias haviam vivido há tantos séculos, ou regressaram de outras partes do mundo onde haviam encontrado refúgio durante a época de perseguição.
Retorno incompreendido – Schuster, de 66 anos, é um dos que retornaram: tendo sobrevivido aos campos de concentração de Dachau e Buchenwald, seu pai e avô emigraram da Alemanha para a Palestina. Ele nasceu em 1954 em Haifa, e sua família voltou para a Alemanha quando ele tinha três anos de idade.
“Por muito tempo, mesmo nos meios judaicos, era bem problemático assumir que se vivia intencionalmente na Alemanha”, lembra Schuster. De Israel, vinham sempre críticas: para muitos isso era inconcebível, no país dos criminosos.
Essa visão só mudou nos anos 70, sob o presidente do Conselho Central Werner Nachmann. “Ele foi o primeiro a dizer abertamente: ‘Sim, existe vida judaica na Alemanha.'” E mais tarde, nos anos 90, seu sucessor Ignatz Bubis pronunciou a importante frase: “Sou um cidadão alemão de fé judaica.”
Por longos anos, as comunidades judaicas da República Federal da Alemanha não chegavam a 30 mil participantes, mas esse número cresceu após a reunificação do país, em 3 de outubro de 1990, com o afluxo de cidadãos do Centro e Leste da Europa.
A partir daí, o Conselho Central conclamou à integração e ajuda aos novos membros. Quem hoje participa de um Dia da Comunidade Judaica, de um dos encontros anuais de jovens ou de uma noite de Hanucá para os da terceira idade, se defronta com um público misto e muitas vezes multilíngue: apesar de todas as diferenças, são comunidades genuínas.
Hoje, o Conselho é a representação de interesses reconhecida pelas 105 comunidades de judeus da Alemanha, com um total de 100 mil membros. Seus líderes gozam de autoridade em âmbito nacional, sendo consultados pela mídia e internacionalmente interconectados. Assim, Josef Schuster, o oitavo presidente, é também vice-presidente do Congresso Mundial Judaico e do Congresso dos Judeus Europeus.
Ainda antissemitismo – Isso não impede que ameaças e antissemitismo sigam sendo parte do cotidiano judaico na Alemanha. Policiais vigiam dia e noite a Casa Leo Baeck, sede do Conselho no bairro berlinense de Mitte, também protegida por medidas de segurança arquitetônicas.
Esse quadro se repete em diversos locais da vida judaica no país: pichações ofensivas e ameaças são rotineiras, os ataques contra membros da comunidade se repetem. Segundo as autoridades, eles são, em sua maioria, de motivação ultradireitista, mas há também agressores de origem estrangeira.
Em outubro de 2019, a tentativa de um presumível extremista de direita de provocar uma carnificina na sinagoga da cidade de Halle abalou o país. Apesar de fracassar no intento, ele assassinou uma passante e o empregado de uma lanchonete turca.
“Não tenho a sensação de que tenha aumentado o número de pessoas com ressentimentos, com ideologia antissemita, ou que ele seja maior do que 10, ou 20 ou 30 anos atrás”, avalia Schuster. Por outro lado, o presidente do Conselho sente que agora “se está perfeitamente disposto a articular esses pensamentos”, e responsabiliza por isso o partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD).
Por ocasião do jubileu, o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, louvou o Conselho Central como “importante voz, que é necessária e é escutada”, salientando como a vida judaica no país se desenvolveu “em toda sua diversidade”, nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, porém, reconheceu que há ameaça constante e presente.
Para Josef Schuster, hoje em dia é importante “um judaísmo e uma vida judaica confiantes de si” enquanto parte indiscutível e integral da sociedade. Um exemplo são dois projetos promovidos pelo Conselho Central: em poucos meses será retomado o acompanhamento religioso judaico nas Forças Armadas alemãs. E no centro de Frankfurt começam as obras para uma Academia Judaica, com repercussões por todo o país.
Contudo, a comunidade se prepara para um jubileu ainda maior: em 2021 completam-se 1.700 anos de vida judaica na Alemanha. O Conselho Central cuida para que se tematize não só a história, mas também o presente e o futuro, na mesma medida.