O novo cenário do protecionismo global e os impactos para o Brasil
Sem dúvida, os fluxos comerciais internacionais se expandiram ao longo do século, com os países cada vez mais utilizando a transação comercial global de bens como fonte principal para obter divisas, e assim manter a balança comercial favorável. De uma forma simples e direta, isso significa exportar o máximo possível e importar o menos possível.
À medida que a globalização tem se espalhado, percebe-se um força contrária para sua expansão, geralmente com um firme comportamento conservador e de ideais protecionistas. Como resultados, vimos a combinação das entidades políticas, econômicas e financeiras criando um movimento inverso contra a globalização, ameaçando a economia mundial.
Esse movimento é conhecido como protecionismo. De forma resumida, pode ser conceituado como uma proteção do comércio, que é a tentativa deliberada para os governos subsidiarem suas exportações para aumentá-las e criarem barreiras (tarifárias e não-tarifárias) para diminuir as importações. Esses mecanismos de defesa podem provocar consequências negativas, como a ineficiência e a distorção da produção nacional. Apesar dos argumentos a favor do livre comércio e do aumento da abertura comercial, o protecionismo ainda é amplamente praticado.
O último relatório publicado pela OMC mostra que os seus membros introduziram 182 novas medidas restritivas do comércio no período entre outubro de 2015 a outubro de 2016, uma média de pouco mais de 15 medidas por mês. Enquanto isso representa um declínio em comparação com 2015 (média de 20 medidas por mês), o número de novas medidas de restrição do comércio permanece preocupantemente alto de acordo com a opinião da OMC.
Além disso, o relatório observa que das 2.978 medidas restritivas do comércio adotadas pelos membros da OMC desde 2008, apenas 740 (25%) foram removidas em meados de outubro de 2016.
Historicamente, os países da OMC estão sempre atentos ao Brasil, que nos últimos anos foi recordista no aumento de novas barreiras principalmente por meio de ações de antidumping. Mesmo com a queda no ano de 2016, no qual aplicou 28 novas barreiras, em comparação aos últimos anos – em 2013 foram 42; em 2014, 39; em 2015, 36 –, o Brasil, de acordo com estudo da OMC, foi o país que mais recorreu a medidas antidumping entre os membros da Organização: foram 112 nos últimos três anos, seguido dos EUA que aplicou 100 medidas (comparação de maio/2016).
Desde a existência da aplicação de defesa comercial, os países-alvo do Brasil com maior número de medidas antidumping aplicadas foram: China (68), EUA (27), Índia, Coreia do Sul e Taipé Chinês (12) e Alemanha (11). No ano de 2016 alguns dos países-alvo do Brasil e seus respectivos produtos:
PAÍS PRODUTO
China: Açúcar
Índia: Laminados a quente em forma de bobinas e em forma de chapas; alumínio em formas brutas
Taipê Chinês: Laminado a quente
EUA: Borrachas ESBR, camarões cultivados, laminados a frio e a quente, laminados de aço-carbono e aço-liga
Chile: fio-máquina, arame de aço, tela de aço, prego de aço,
União Europeia: óxido de manganês, laminados a quente
Na contramão do protecionismo, para ter sucesso no cenário internacional, os governos estão constantemente buscando novas parcerias por meio da assinatura de acordos de livre comércio, bem como novas estratégias para aumentar e ampliar a comercialização em novos mercados e expandi-las em mercados existentes.
Cancelamento de acordos pelo mundo e o impacto para o Brasil
Como dito acima, os acordos internacionais de livre comércio têm o objetivo de ampliar e facilitar o comércio entre os países membros dos acordos e muitas vezes, de forma indireta, impactam outros países que não são parte do acordo. Exemplo disso é a insegurança de alguns países, dentre eles o Brasil, com a prerrogativa de que novas barreiras comerciais poderão surgir nos próximos anos em decorrência de dois fatores claramente surpreendentes: O Brexit e a retirada dos Estados Unidos do TPP (Tratado Transpacífico).
A saída dos EUA do acordo TPP é certamente uma das consequências mais significativas da onda conservadora. Em relação a esse cenário, é preciso considerar diferentes aspectos para avaliar o impacto dessa decisão para o Brasil.Mesmo com a retirada, não haverá um impacto imediato na economia dos EUA e o efeito para os países-membro poderá ser simbólico ou inclusive trazer benefícios. A principal razão se deve a que os preços dos produtos de países não-membros, como a soja, açúcar, laranja, carne, seriam mais caros do que os produtos dos EUA nos mercados do Pacífico.
A saída do EUA do TPP a princípio poderá ser positiva para o agronegócio do Brasil, por exemplo, já que o país deixará de perder mercado (exportação) para as commodities dos EUA que entrariam nos países signatários com tarifas diferenciadas. Entretanto, é prudente uma avaliação a médio e longo prazo, considerando o perfil do novo governo americano que provavelmente aumentará as medidas de protecionismo.
Em curto prazo, de acordo com a pequena participação no comércio do Brasil com os EUA e um déficit na balança comercial (US$ 646 milhões de dólares em 2016 e US$ 2,4 bilhões de dólares em 2015), não causaria um grande impacto. Com essa abertura de mercado, em médio prazo o que pesa negativamente para o Brasil é a falta de estrutura para alavancar suas exportações, considerando que hoje os custos para efetivação das exportações não é competitivo, acompanhado da ineficiência logística nos processos operacionais atualmente burocráticos.
O governo brasileiro vem se empenhando na evolução e modernização de seus processos, principalmente de exportação. Podemos citar aqui algumas iniciativas como o Portal Único de Comércio Exterior e a Declaração Única de Exportação (DU-e).
Outro ponto de atenção para o Brasil é o Brexit, que causaria a saída do Reino Unido da União Europeia. A principal consequência para o Brasil seria o impacto para o Mercosul, que está realizando diversas negociações para um acordo com o bloco europeu, nas quais os britânicos são aliados do Brasil quando se discute a abertura do mercado agrícola.
Com a efetivação do Brexit, existe uma grande possibilidade de haver uma desestabilização da União Europeia, o que pode atrasar o processo de recuperação econômica que só começou a dar os primeiros passos em mercados importantes para o Brasil, como Espanha e Portugal. Os britânicos são a terceira maior população do bloco e respondem por 15% de seu Produto Interno Bruto (PIB).
No possível acordo entre Mercosul e UE, as áreas sensíveis incluem o acesso do Mercosul aos manufaturados da UE e o acesso da UE aos produtos agrícolas brasileiros, que enfrentam atualmente os altos subsídios no bloco europeu. As duas partes fizeram um intercâmbio de ofertas em maio de 2016, incluindo uma lista de importações que cada um dos blocos pretende liberalizar.
Se realmente se concretizar a saída do Reino Unido, a UE poderá sofrer um enfraquecimento perante o comércio exterior. A situação ainda pode ser agravada se ocorrer um acordo entre Reino Unido e EUA. O Reino Unido é um defensor do livre comércio global, mas os EUA têm demonstrado sinais de protecionismo que superam qualquer período desde os anos de 1930.Esse cenário poderia, a médio e longo prazo, impor mais barreiras para o comércio com esses países em nível mundial.
Conclusões – Podemos concluir diante deste cenário que, em meio à incerteza e aos contínuos e persistentes desafios enfrentados pelos países na economia internacional e suas consequências para o comércio mundial, ressalta a necessidade de todos os países trabalharem juntos para resistir às pressões protecionistas. A melhor salvaguarda que deve ser aplicada contra o protecionismo é um forte sistema de comércio multilateral.
Uma forte mensagem que foi compartilhada pelo presidente chinês Xi Jinping em Davos, onde, sob aplausos, disse que “devemos continuar comprometidos com o livre comércio e o investimento. Um vai emergir como um vencedor em uma guerra comercial”. Em defesa do livre comércio, o presidente chinês fez uma analogia: “Buscar o protecionismo é como bloquear a si mesmo em um quarto escuro. Vento e chuva podem ser mantidos fora, mas também são luz e ar”.É uma visão acertada. Não há razão para culpar a globalização econômica por todas as questões que preocupam o mundo. O mundo está lutando para conviver com a globalização, mas ainda não sabe como viver sem ela.
(*)Por Angela Santos, Consultora Sênior de Comércio Exterior da Thomson Reuters
(*) Marcos Piacitelli, Especialista em Acordos Internacionais da Thomson Reuters