Marcos Carrieri
São Paulo – Quando o telefone da diretora cultural da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Silvia Antibas (foto acima), tocou, em 18 de maio, ela imaginou: “Ganhei!”. E ganhou mesmo. Aquele telefonema originado em Paris, na França, anunciava que ela fora uma das contempladas pelo Prêmio Unesco-Sharjah para a Cultura Árabe 2019, concedido por um dos sete emirados que formam os Emirados Árabes Unidos e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O outro vencedor foi o pintor palestino Suleiman Mansour. O prêmio veio como resultado de uma longa carreira dedicada à promoção e difusão da cultura árabe como patrimônio da humanidade.
“Eu tento quebrar estereótipos sobre a cultura árabe, procuro incentivar a demonstração da arte contemporânea, a presença e a produção das mulheres no universo cultural árabe. E a Câmara Árabe me oferece oportunidades de realizar esse trabalho”, diz Antibas.
O pai de Silvia nasceu em Antióquia, na Síria (atual Antáquia, na Turquia) sob administração do Império turco-otomano, e se mudou para o Brasil aos nove anos após deixar sua terra natal com a avó dela, viajar para a Itália, e, a partir do Porto de Gênova, chegar ao Brasil. Sua mãe é filha de libaneses da cidade de Marjayoun, no Sul do Líbano, que se instalaram em Pederneiras, em São Paulo. Eles se conheceram quando o pai, mascate, viajou para vender produtos no interior do estado. “Sempre tive referências árabes da minha família. Me recordo ainda hoje de costumes do meu pai e até de expressões em italiano que ele aprendeu no navio. Adorava ouvir aquelas recordações”, diz.
Os casos de família e sua curiosidade natural a levaram a cursar a faculdade de História, a visitar cidades como Ouro Preto e Mariana, em Minas Gerais, e países que guardam tesouros na memória mundial. Dessas experiências, surgiu a historiadora que desde os primeiros anos na carreira profissional administrou instituições e promoveu projetos culturais.
E foi um desses projetos, mas não o único, que levou Antibas para o prêmio Unesco-Sharjah para a Cultura Árabe. Ela foi indicada à premiação pelo diretor do Centro de Estudos e Culturas da América Latina (Cecal) da Universidade Saint Esprit de Kaslik (Usek), Roberto Khatlab, com quem desenvolve a digitalização da memória da imigração sírio-libanesa no Brasil, em um projeto conjunto da Câmara Árabe e Usek.
Na administração pública, Antibas ocupou, entre outros, os cargos de diretora do Departamento de Museus e Arquivos (Dema) e coordenadora da Unidade de Difusão Cultural, Bibliotecas e Leitura da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Foi como servidora do Estado de São Paulo que Antibas participou da construção e inauguração da Sala São Paulo, do restauro da Pinacoteca do Estado de São Paulo, a criação dos museus da Língua Portuguesa e do Futebol e das bibliotecas de São Paulo e Parque Villa-Lobos.
Ao lado destes desafios, Antibas sempre manteve o diálogo e a difusão da produção artística do mundo árabe, como a pesquisa sobre a influência da música árabe na música brasileira, a curadoria de eventos e a promoção de escritores brasileiros de origem árabe nos países do Oriente Médio e do Norte da África. Antibas assumiu a diretoria de cultura da Câmara Árabe em 2013, a convite do então presidente Marcelo Sallum. Ela foi inicialmente convidada para escrever um livro sobre a Câmara Árabe, e, pouco depois, a assumir uma diretoria na instituição.
“A Câmara Árabe é uma instituição de promoção de negócios, mas que sempre entendeu muito bem o papel da cultura, afinal a cultura pode ajudar a aproximar povos e a fazer negócios. Além disso, sempre me senti muito confortável como uma diretora mulher, com um olhar feminino e cultural para as questões da Câmara”, afirma.
Os projetos não acabam por aí. Antibas apoia a criação de um centro cultural árabe que unifique as diversas iniciativas de promoção da cultura árabe em todo o Brasil e também o incentivo à cultura árabe. “É preciso que mais instituições se engajem. A Câmara Árabe faz um esforço grande de mostrar sempre a existência do diálogo e do respeito pelo outro, que foi o que gerou esse reconhecimento pela Unesco”, afirma Antibas. Aquele telefonema vindo de Paris, portanto, não era ao acaso. “Sinto uma felicidade enorme em saber que tudo o que fiz valeu a pena e sou realizada por ter a oportunidade de trabalhar com o que gosto”, revela Antibas.
*Reportagem de Marcos Carrieri, especial para a ANBA