Nabil Adghoghi
Quando o Marrocos levantou, nos anos 60, a questão do Saara diante da ONU, o Polisário simplesmente não existia. Este foi criado, no contexto da Guerra Fria, por Líbia e Argélia, como uma guerrilha revolucionária para se transformar, após sua derrota, num movimento separatista.
Essa colocação mostra como as divergências ideológicas na África do Norte pós-independências impactaram a estabilidade da região e prova que o Polisário não passa de um “estelionato geopolítico”, já que ele carece de qualquer fundamento histórico, legitimidade popular ou realidade demográfica.
Em relação à autodeterminação, é bom lembrar que o Marrocos sempre defendeu esse princípio. Foi o Marrocos que lançou, em 1961, a Conferência dos Movimentos de Liberação das Colônias sob domínio português. Foi o Marrocos que iniciou o líder Nelson Mandela à luta armada, entre 1960 e 1962. Foi o Marrocos que lançou um gigantesco movimento de solidariedade para apoiar a luta da Argélia pela independência em 1962.
Portanto, o princípio de “autodeterminação” deve se aplicar exclusivamente a um povo, devidamente definido como tal; isto é, um conjunto humano que tem em comum referências culturais, históricas, étnicas e linguísticas. Nenhum desses atributos se verifica no caso do Saara. É pertinente se perguntar por que só a parte “ocidental” do Saara seria separatista. Seria como ver, por exemplo, a população italiana do Maciço Alpino “lutar” por sua autodeterminação, enquanto as populações francesas, austríacas, eslovenas e suíças do mesmo espaço geográfico estão perfeitamente integradas nos seus respectivos países.
No que toca aos “refugiados” em Tindouf (sudoeste da Argélia), é bom lembrar que se trata da única população de refugiados no mundo que nunca foi registrada pelo ACNUR; a única que vive dentro de uma zona militar; a única que não tem direito de se deslocar dentro do país acolhedor, a Argélia; e a única que nunca tem o direito de escolher o país onde ela quer se refugiar ou se ela quer voltar para o país de origem, o Marrocos.
O cadastro pelo ACNUR, tanto urgente quanto necessário, vai desacreditar de vez a propaganda fraudulenta que alega a existência de um “povo” refugiado enquanto, na realidade, lá residem menos de 40.000 pessoas. Vai garantir a proteção aos refugiados e ajudar numa possível melhoria nas suas condições de vida, que continuam sendo as mesmas desde 1975, já que o país acolhedor, a Argélia, preferiu deixar essa população vivendo nas tendas, em condições degradantes, com o único objetivo de acentuar a sua vitimização.
No que toca ao estatuto internacional do Polisário, após os reconhecimentos nos anos 70 e 80, o “placar se reverteu” últimamente. Nas Américas do Sul e Central, Bolívia, Paraguai, Jamaica, El Salvador e Suriname foram os últimos a retirarem o seu reconhecimento. A Venezuela fará o mesmo, assim que o presidente Juan Guaidó assumir. Na África, a grande maioria dos países não reconhece o Polisário. Idem para os países árabes, fora Argélia. O Polisário não tem nenhuma condição legal nem na Liga Árabe, nem no Movimento de Não Alinhados (NAM, na sigla em inglês) e muito menos na ONU.
Por seu lado, o Brasil, numa postura similar aos membros permanentes do Conselho de Segurança, nunca reconheceu essa entidade e continua apoiando os esforços em prol de uma solução política justa, consensual e mutuamente aceitável, no marco das Nações Unidas.
Para concluir, o Marrocos seguirá comprometido, com seriedade, com o Conselho de Segurança e considera justamente a autonomia como realista, visto que corresponde à realidade sociológica do território; pragmática, devido à apropriação pela população de seus componentes tribais; e duradoura, ao se integrar numa perspectiva global de paz e estabilidade de todo o Magreb.
Sr. Nabil Adghoghi – Embaixador do Marrocos no Brasil
https://oglobo.globo.com/opiniao/artigo-um-estelionato-geopolitico-24214646