Para abrir as portas do mundo para os produtos nacionais, o Brasil conta com um grupo de 24 adidos agrícolas, cargo criado em 2009 para internacionalizar o campo brasileiro.Quando o agrônomo Dalci Bagolin desembarcou em Nova Délhi, em janeiro de 2018, seus desafios não eram pequenos: desbravar um país com cultura diferente, lidar com um idioma desconhecido – o inglês não é falado por todo mundo na Índia – e identificar oportunidades para a agropecuária do Brasil no segundo maior mercado do mundo.
A missão de Dalci não é fácil. A Índia tem um histórico protecionista, desenvolvimentista e de muitas restrições cambiais, como o Brasil. Além disso, o agronegócio indiano é a imagem refletida do brasileiro. O país produz café, açúcar, aço, cimento e carne, que enfrentam dificuldades de escoamento em razão de uma infraestrutura precária – um panorama bastante familiar. O desafio de Dalci, portanto, é encontrar interesses comuns entre os dois países.
Já adaptado à Índia, ele tem dormido pouco na semana que antecede a chegada da missão presidencial brasileira, que ficará na Índia entre os dias 23 e 27. “Durmo todo dia depois das 2 horas da manhã”, conta.
O cargo de adido agrícola foi criado pelo Ministério da Agricultura em 2009, durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, e mostra a importância que o agronegócio vem ganhando na diplomacia brasileira. O setor responde por cerca de um quarto do PIB do Brasil e está encarregado de manter a balança comercial superavitária.
Hoje, o setor agropecuário brasileiro fornece alimentos para cerca de um bilhão de pessoas em todo o mundo. Em 2019, o setor exportou US$ 96,8 bilhões – o equivalente a 43,2% do total produzido. A Ásia foi o principal destino, com 49%.
Além dos adidos agrícolas, o Itamaraty tem outros 120 postos de representação no exterior na área de promoção comercial – o agronegócio é apenas um deles. Ainda que o Ministério da Agricultura apoie o setor há algum tempo, a criação do Departamento de Promoção do Agronegócio (DPA), em 2019, permitiu unir discussões de promoção e política comercial.
Gestão de crises – Outra função importante dos adidos agrícolas – que se estende à diplomacia brasileira, em geral – é vender uma imagem positiva em momentos difíceis. A missão, neste caso, é contornar momentos de crise, como no caso dos incêndios da Amazônia, no ano passado, ou apagar o incêndio causado por declarações incômodas de lideranças políticas dentro do governo brasileiro. “É preciso estar preparado para enfrentar uma quantidade muito diferente de desafios, que mudam conforme o país”, explicou a coordenadora dos adidos, Andressa Beig.
Por isso, o cargo é visto hoje como imprescindível por diversos empresários do setor. A viagem de Bolsonaro à Índia ocorre após um pedido do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que esteve em Brasília em novembro, na cúpula dos Brics – bloco formando por Brasil, Rússia, Índia China e África do Sul. “Existe um interesse grande do governo indiano em uma aproximação maior com o Brasil. Há muitos territórios inexplorados”, diz Amit Kumar Mishra, cônsul da Índia em São Paulo.
Política externa – Apesar dos pontos concorrentes, que podem criar mais rivalidades do que parcerias, Brasil e Índia têm um caminho aberto para explorar áreas complementares. Os setores de tecnologia e de medicamentos, nos quais os indianos têm grande conhecimento e um forte parque industrial, e o etanol, em que o Brasil é referência, são pontos de partida. Outro fator comum importante que une os dois países é a liderança nacionalista de Bolsonaro e Modi. Ambos lideram grupos políticos conservadores, de tons populistas e com fortes elementos econômicos de caráter liberal – embora o premiê indiano seja mais pragmático em política externa e consiga manter boas relações com países que vivem às turras, como EUA e Irã.
Enquanto Modi defende a diplomacia multilateral, Bolsonaro cultiva certo desprezo pelo multilateralismo. Ainda assim, Brasil e Índia compartilham uma reivindicação histórica: uma vaga de membro permanente na eventual ampliação do Conselho de Segurança da ONU – embora o chanceler Ernesto Araújo tenha dito algumas vezes que a vaga “não é mais uma prioridade” do governo brasileiro.