Manifestantes acampados na frente do quartel-general de Cartum.
Por G1
Milhares de pessoas continuavam acampadas nesta segunda-feira (15) na frente do quartel-general de Cartum, capital de Sudão, para pressionar a junta militar que derrubou o presidente Omar al-Bashir a ceder o poder para um governo civil.
A Associação de Profissionais Sudaneses, organização à frente desses protestos, pede aos militares que “cedam imediatamente o poder a um governo civil”. Também quer que este governo civil e as Forças Armadas levem Bashir e seus temidos Serviços de Segurança e Inteligência Nacional (NISS, na sigla em inglês) à Justiça, segundo a France Presse.
Omar al-Bashir, forçado a deixar a presidência após 30 anos no poder, é acusado pelo Tribunal Penal Internacional de Haia de genocídio e de crimes contra a humanidade durante o conflito armado da região de Darfur. O confronto provocou a morte de 300 mil pessoas no sul do país nos anos 2000.
No domingo (14), o conselho militar se reuniu com os partidos e lhes pediu que cheguem a um acordo sobre uma “figura independente” para ser primeiro-ministro.
“Queremos estabelecer um estado civil baseado na liberdade, na justiça e na democracia”, disse o tenente-general Yasser al-Ata, que é membro do conselho, a membros de vários partidos.
Uma delegação de dez representantes dos manifestantes entregou uma lista de demandas durante as discussões, segundo uma declaração do grupo Aliança pela Liberdade e pela Mudança.
Em entrevista coletiva após o encontro, o porta-voz do conselho não respondeu as últimas demandas dos manifestantes, mas anunciou a nomeação de um novo chefe dos serviços de Inteligência do NISS. Face à violenta repressão de protestos no país, que deixou 16 mortos, o antigo diretor do NISS, Salah Gosh, pediu demissão.
Compromisso com governo civil
O Ministério das Relações Exteriores disse que o novo chefe do conselho militar, Abdel Fatah al-Burhan, estava “comprometido com ter um governo completamente civil” e estimulou os demais países a apoiarem os militares para alcançar “o objetivo sudanês de uma transição democrática”.
No sábado, Burhan prometeu erradicar o regime de Bashir e suspendeu, com efeito imediato, o toque de recolher noturno.
Também prometeu que os indivíduos envolvidos no assassinato de manifestantes se sentarão no banco dos réus e que os manifestantes detidos durante o estado de emergência imposto por Bashir serão soltos.
Pressão internacional
No sábado, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, preocupados com os acontecimentos no país, expressaram seu apoio “ao povo sudanês irmão” e à junta militar de transição.
No domingo, Estados Unidos, Reino Unido e Noruega pediram aos militares e outras partes civis que dialoguem sobre a transição para um poder civil. Em um comunicado conjunto de suas embaixadas, os três países pediram que não se recorra à violência para acabar com os protestos e estimaram que “a mudança legítima” demandada pelos sudaneses não aconteceu.
“É hora de o conselho militar de transição e todas as outras partes manterem um diálogo inclusivo para realizar uma transição para um governo civil”, afirmaram.
“Isso deve ser feito de maneira crível e rápida, com os líderes do protesto, a oposição política, as organizações da sociedade civil e todos os elementos relevantes da sociedade, incluindo as mulheres”, acrescentou.
Desilusão
Na quinta-feira (11), a queda do ditador foi celebrada pelos manifestantes, mas as primeiras medidas tomadas pela junta logo levantaram o temor de que o antigo regime tenha sido substituído por uma nova ditadura militar e que a queda de al-Bashir não tenha passado de uma disputa interna pelo poder.
Após chegar ao poder, os militares anunciaram que ficaram no poder por até dois anos, suspenderam a constituição e impuseram um toque de recolher no país entre 22h e 4h por um mês. A junta militar também decidiu não entregar al-Bashir, que está preso, ao Tribunal Penal Internacional.
Os integrantes da junta militar são vistos pelos manifestantes como os “mesmos velhos rostos” do antigo regime.
Por exemplo, o ministro da Defesa e chefe da junta militar general, Awad Mohamed Ahmed Ibn Auf, que renunciou na sexta-feira, era chefe do setor de inteligência do Exército durante o conflito de Darfur. Em janeiro, ele havia assumido o posto de primeiro vice-presidente do país (a estrutura política prevê dois ocupantes para o cargo de vice, cada um de uma região diferente do Sudão).