Em seu discurso ao Fórum Econômico Mundial, o presidente desafinará do tom exigido pela plateia ou contribuirá para resgatar sua imagem manchada no exterior?
Por Helio Gurovitz, jornalista do G1
Com a ausência de líderes como Donald Trump, Angela Merkel ou Emmanuel Macron, o presidente Jair Bolsonaro foi alçado à posição de estrela do Fórum Econômico Mundial (WEF), realizado todo ano em Davos, a cidadezinha da Montanha Mágica na Suíça.
Davos já foi mais importante. Foi um dois principais focos de ideias e encontros que resultaram no movimento de globalização depois da queda do muro de Berlim. Reunia os mais poderosos e importantes empresários, políticos, cientistas e artistas do planeta. Tornou-se símbolo da elite global, a quem eram atribuídas as decisões que realmente importavam. Passou a ser alvo predileto de protestos dos adversários da globalização e da cobiça daqueles que dela queriam tomar parte.
Mesmo antes do avanço do nacionalismo e do populismo pelo mundo, perdera glamour. Depois da crise financeira de 2008, a reunião anual de ricaços, poderosos e celebridades no ar rarefeito da Suíça virou motivo de chacota. O “homem de Davos” se tornou um símbolo de uma elite alheia às preocupações do homem comum, incapaz de lidar com as contradições dos princípios que defendia.
Ao mesmo tempo, o WEF sempre procurou integrar vozes discordantes, numa tentativa de revitalizar o próprio debate. Foi o caso de Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, eleitos com plataformas que atacavam justamente a arrogância alpina do “homem de Davos”.
É, agora, também o caso de Bolsonaro, cujas ideias sobre Davos repetem o discurso de Trump contra o “globalismo”, o “climatismo” e a captura da soberania e dos interesses nacionais por elites globais desconectadas e afastadas da realidade econômica concreta.
Para Bolsonaro, Davos se tornou um passo essencial na estratégia de conquista de credibilidade para seu projeto de governo. Está em jogo bem mais do que apenas as medidas econômicas liberais do ministro da Economia, Paulo Guedes, ou do que a agenda de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
O que está em questão é a própria imagem de Bolsonaro, criticado desde a campanha eleitoral na imprensa internacional como um líder de “extrema-direita”, cujas ideias e programa são incompatíveis com a agenda de promoção aos direitos humanos, à diversidade e de combate às mudanças climáticas promovidas pelo WEF.
Quando foi a Davos, no ano passado, Trump procurou fazer um discurso conciliatório, em vez de adotar o mesmo tom apocalíptico da campanha eleitoral em relação às instituições internacionais responsáveis pela condução da globalização. Não se sabe se Bolsonaro, êmulo de Trump em tantas iniciativas, seguirá os mesmos passos.
É importante não confundir a plateia de Davos com os mercados financeiros. Não se trata apenas de garantir os compromissos brasileiros com as privatizações ou de adiantar o esboço da reforma da Previdência, como tantos esperam. A expectativa é entender como Bolsonaro pensa o papel do Brasil no cenário internacional e a que tipo de iniciativa estaria disposto para alcançar seus objetivos.
O chanceler Ernesto Araújo e o deputado Eduardo Bolsonaro, principais formuladores da política externa do novo governo, têm em Davos importância estratégica até maior que Guedes ou Moro. Deriva deles a agenda de enfrentamento ao “globalismo” que resultou na saída do Brasil do Pacto Global sobre a Migração, exemplo típico de projeto debatido em Davos e apoiado pelo WEF.
O mais importante na agenda “anti-globalista” não é a ideologia simplificadora. Há críticas acertadas aos problemas da globalização e ideias práticas que poderão resultar em aperfeiçoamento das instituições globais. É o caso do projeto de reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja crise é patente.
A OMC está paralisada diante da guerra comercial deflagrada entre seus maiores atores, Estados Unidos e China. Seus paineis de resolução de disputas se revelam incapazes de dirimir os conflitos comerciais mais agudos e se tornam apenas mais um mecanismo de pressão no sofisticado tabuleiro do poder internacional.
O Brasil não tem condição de, sozinho, levar a cabo nenhum tipo de reforma em qualquer instituição global. Mas é uma voz importante, ouvida por todos os atores, com que todos têm de lidar. O tom dessa voz, a melodia da nova cantiga começarão a ficar claros ao mundo no discurso de Bolsonaro daqui a pouco em Davos.
Se adotar o tom ideológico e ofensivo, prenunciado pela saída do pacto da migração, Bolsonaro começará desafinando e dificilmente resgatará sua imagem manchada no exterior. Se, em vez disso, souber entender que a globalização econômica depende de instituições políticas sólidas, cujo sentido é justamente proteger o interesse de atores menores como o Brasil, o país e o mundo poderão sair ganhando com a nova música.