Organismo multilateral estima que em longo prazo só México e Canadá sofrerão mais prejuízos com as barreiras tarifárias que a economia norte-americana
El País
Passaram-se quase dois anos desde que Donald Trump chegou à Casa Branca com sua retórica nacionalista e anticomércio, e a economia dos EUA continua indo de vento em popa. Mas isso não significa que o país que já foi o emblema do multilateralismo e do livre comércio sairá ileso de uma guerra comercial que parece ser mais real a cada dia. Muito pelo contrário. O Fundo Monetário Internacional estima que a economia norte-americana será, em longo prazo, uma das grandes prejudicadas pela espiral de barreiras tarifárias em que Washington e Pequim entraram. Só México e Canadá sofrerão mais as consequências.
Bali é o cenário escolhido pelo FMI para sua reunião anual em 2018. As coloridas camisas tingidas com a técnica batik, típica da região, e o sol que inunda cada canto desta ilha indonésia contrastam com o ânimo sombrio que os técnicos do Fundo trazem ao seu grande evento anual. Porque as perspectivas de crescimento apresentadas pelo organismo dirigido por Christine Lagarde representam um balde de água fria. Sobretudo para os grandes países da zona do euro. Nem sinal do otimismo que reinava há um ano. A economia global já não vai mais crescer 3,9% neste ano, como se previa até bem pouco atrás. Será preciso se conformar com dois décimos a menos.
Pior será a mordida nos grandes da UE: França, Alemanha, Itália e Reino Unido. Todos eles evoluem pior do que se previa nos últimos meses. A zona do euro continua crescendo a um ritmo aceitável – 2% neste ano, quatro décimos a menos que a previsão de abril –, mas a locomotiva parece ratear antes do esperado.
Cada país tem seus próprios problemas. A França é penalizada por uma demanda externa inferior à estimada. A Alemanha crescerá seis décimos a menos pelo menor impulso das exportações e da produção industrial. Na Itália, preocupa a incerteza gerada por seu Governo populista e antieuropeu e a menor demanda, tanto interna como externa. E o crescimento no Reino Unido se vê desacelerado pela confusão em torno da sua saída da UE, que supostamente derivará num aumento das barreiras tarifárias em seus intercâmbios com o resto da Europa e, portanto, em um crescimento menor. A Espanha continuará avançando com força, embora um décimo de ponto percentual abaixo do anunciado anteriormente, 2,7%.
Essa redução generalizada nas previsões de crescimento não é uma surpresa. Os representantes do Fundo já vinham falando nas últimas semanas sobre uma materialização dos riscos vistos no horizonte. Mas é novidade que o FMI tente antever quem acabará pagando o pato por este prenúncio de guerra de comercial. E chama a atenção que o grande prejudicado em longo prazo seja o principal responsável pelo início das hostilidades: os EUA.
Para prever as consequências de uma luta que mal começou, o Fundo estima cinco cenários. O primeiro é que as tarifas fiquem no que já Trump já aprovou, sobre o alumínio e o aço, que pesam sobre produtos chineses num valor de 250 bilhões de dólares, e a resposta de Pequim de castigar 60 bilhões de importações dos EUA.
As premissas seguintes se materializarão na medida em que as agressões de um lado sejam respondidas pelo outro: que as importações chinesas sejam ampliadas num valor de 267 bilhões; que os EUA sigam além e sobretaxem todas as importações de carros. E, o cenário mais pessimista, que o conflito acabe contagiando o investimento empresarial e a sua capacidade de se financiar no mercado.
Surpresas desagradáveis
Pois bem, em todos estes cenários, a China seria a mais prejudicada nos primeiros anos. Mas os EUA viriam logo em seguida. E, em longo prazo, acabarão sendo muito mais castigados, com reduções de quase um ponto percentual no PIB. Em todo o mundo, só seus sócios do recém-rebatizado tratado de livre comércio (México e Canadá) sofreriam um queda maior.
Trump anunciou tarifas sobre produtos chineses num valor de 260 bilhões de dólares, provocando a resposta imediata de Pequim, que estabeleceu barreiras para 110 bilhões em importações dos EUA. Essas alíquotas já afetam 2,5% do comércio mundial, segundo as estimativas de banco ING. “O maior risco radica num aumento generalizado das tarifas impostas pelos EUA contra os principais blocos econômicos, despertando uma forte resposta da China e da UE”, alerta um relatório do BBVA Research. Como disse Lagarde antes de partir para Bali, “a retórica está se tornando realidade”.
No último relatório que elabora como economista-chefe do FMI, Maurice Obstfeld alerta para a acumulação de riscos no horizonte: além das tensões comerciais, há o possível risco nas negociações para o Brexit, as restrições financeiras nas economias desenvolvidas, que se veem acrescidas por altas de juros do Federal Reserve (banco central dos EUA), e a vulnerabilidade por ter uma dívida pública mais elevada que uma década atrás, quando começou a Grande Recessão.
“Se acrescentarmos as importantes tensões políticas de algumas regiões, estimamos que, inclusive para o futuro mais imediato, a probabilidade de surpresas desagradáveis ultrapassa a de que vamos receber boas notícias imprevistas”, conclui Obstfeld.