Ana Cristina Dib
De outubro de 2008 a outubro de 2017, os países membros do G20 adotaram mais de 600 novas medidas restritivas ao comércio. O aumento de políticas protecionistas e a crescente perda de confiança nas instituições internacionais impulsionam as tensões comerciais entre os países.
Nesta quarta-feira (19), dia em que ministros de finanças e presidentes de bancos centrais do G20 se reúnem, em Buenos Aires, a Global Business Coalition (grupos empresariais globais) encaminha carta aberta aos governos com o intuito de alertar sobre as consequências da má administração da globalização. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) é membro da GBC, que representa mais de 6,8 milhões de empresas em todo o mundo.
Veja a íntegra da nota:
Paris, 19 de julho de 2018 – O comércio e os investimentos transfronteiriços, baseados em mercados abertos e regidos por regras, são fatores essenciais para o crescimento sustentável, a prosperidade compartilhada, a criação de empregos e relações econômicas mutuamente benéficas entre as nações. O comércio tirou bilhões de pessoas da pobreza em todo o mundo. O crescimento do comércio em 2017 foi o mais robusto registrado desde 2011 e desempenhou um importante papel de apoio à recuperação econômica global.
A despeito do impacto positivo do comércio na vida de uma grande maioria de pessoas em todo o mundo, com base em acordos internacionais e compromissos políticos de manter os mercados abertos, o consenso a favor da cooperação multilateral está perdendo força no G20. Embora os países do G20 tenham se comprometido a eliminar e reverter o protecionismo, o número de barreiras comerciais vêm crescendo constantemente. De outubro de 2008 a outubro de 2017, os membros do G20 adotaram mais de 600 novas medidas restritivas ao comércio.
O ressentimento com a globalização vem se disseminando e novas barreiras estão surgindo. Em alguns países, o ressentimento com a globalização vem assumindo grandes proporções. Um número cada vez maior de comunidades sente que está saindo perdendo com o aumento da concorrência. Muitas pessoas estão tendo dificuldades para se adaptar a um mundo em processo de rápida mudança. Alguns governos têm atribuído principalmente ao comércio internacional a culpa por tendências em grande parte geradas por um complexo conjunto de outros fatores. Esses fatores variam entre os países, mas incluem mudanças tecnológicas e de sistemas previdenciários e educacionais insuficientes ou disfuncionais.
Há uma crescente perda de confiança nas instituições internacionais. A adoção de políticas autônomas e protecionistas está em alta. A Global Business Coalition está muito preocupada com as crescentes tensões comerciais observadas entre países individuais do G20. Para evitar essa espiral descendente, gerada por falhas e má administração da globalização, deve-se priorizar uma agenda de reformas inclusivas.
A ordem do comércio multilateral, que há décadas tem sido o pilar do nosso sucesso econômico global, vem sofrendo pressões. Há anos que os membros da OMC não se mostram efetivamente dispostos a promover o acesso a mercados e normas para o sistema multilateral de comércio concebidas para adequar a organização aos padrões comerciais do século XXI.
Embora o Acordo de Facilitação do Comércio e a proibição dos subsídios agrícolas tenham representado avanços importantes, a OMC não está adequadamente preparada para lidar com distorções comerciais geradas por economias não de mercado, como a concessão de subsídios, o papel preponderante de empresas estatais, requisitos de conteúdo local, a transferência forçada de tecnologia e o roubo de propriedade intelectual. Além disso, o crucial mecanismo de solução de controvérsias da OMC vem sendo minado, já que indicações para vagas no órgão de apelação da organização estão sendo bloqueadas e seus membros não conseguem chegar a um acordo em torno de uma agenda positiva de reformas.
Estamos profundamente preocupados com a estabilidade do sistema de comércio global baseado em regras. Para gerar prosperidade, as empresas precisam de normas internacionais modernas e confiáveis, bem como de previsibilidade, estabilidade e árbitros fortes e imparciais. Soluções parciais ou meros ajustes pontuais não funcionam. A cooperação internacional é essencial. Precisamos de uma agenda positiva que promova os pontos fortes do sistema de comércio global e, ao mesmo tempo, elimine eficazmente suas deficiências.
Apelamos aos líderes do G20 no sentido de que:
– Renovem seu compromisso de manter mercados abertos e de não impor novas barreiras protecionistas ao comércio de bens e serviços, às compras governamentais e aos investimentos.
– Solicitem à OMC, à OCDE e à UNCTAD que continuem monitorando e elaborando relatórios sobre medidas de comércio e investimento tomadas pelos membros do G20 no sentido de permitir que sua conformidade geral seja verificada. O impacto dessas restrições deve ser avaliado em termos de crescimento, empregos e distorções comerciais.
– Reconheçam que embora o comércio tenha um efeito positivo geral sobre o PIB e a renda, nem todos têm sido suficientemente beneficiados pela globalização. O G20 deveria, portanto, acordar melhores práticas para mitigar os impactos negativos do comércio sobre trabalhadores deslocados e determinadas comunidades e promover essas práticas. Acima de tudo, isso implica não apenas mais investimentos em educação e requalificação ou qualificação de trabalhadores para garantir uma força de trabalho adaptável e altamente qualificada, mas também a capacitação de micro, pequenas e médias empresas (MPMEs). Além disso, o G20 deve incentivar a OCDE a estabelecer um programa de trabalho sobre ajustes comerciais para esclarecer os efeitos econômicos e sociais da abertura ao comércio e identificar medidas para superar esse desafio de uma maneira que impulsione o comércio.
– Revitalizem seu papel de liderança no sistema multilateral de comércio. O funcionamento da OMC e a observância de normas multilaterais devem ser reforçados. Por essa razão, o cumprimento dos requisitos de notificação e o papel da secretaria da OMC no saneamento de deficiências de membros devem ser fortalecidos. O G20 deve iniciar, urgentemente, negociações em Genebra para desbloquear a indicação de membros do Órgão de Apelação e promover as reformas necessárias para aprimorar e fortalecer o procedimento de solução de controvérsias da OMC.
– Capacitem MPMEs mais intensamente e as incentivem a adotar novas tecnologias digitais para facilitar suas atividades. Nesse sentido, o G20 deve priorizar a criação de um ambiente cibernético global seguro para MPMEs por meio de mais investimentos, capacitação e cooperação regulatória para permitir que empresas de todos os portes ampliem suas atividades no mercado internacional com confiança e segurança em relação às tecnologias que adotam. A economia global é impulsionada pela energia e inovação de MPMEs e um número maior dessas empresas deve se beneficiar do comércio global e de oportunidades de investimento. A conscientização de MPMEs e a criação de um ambiente mais propício para elas, com acesso mais desimpedido a financiamentos e regras e procedimentos simplificados, são fundamentais.
– Tomem medidas contra a concorrência desleal entre empresas privadas e estatais, subsídios industriais, transferência forçada de tecnologia e roubos cibernéticos, sempre que possível com base nas disposições estabelecidas pela OMC. Essas medidas devem incluir a revitalização do grupo de trabalho da OMC sobre comércio e política de concorrência, novas regras de transparência e medidas contra subsídios industriais, transferência forçada de tecnologia e requisitos de joint venture. A esse respeito, saudamos e apoiamos as medidas e objetivos acordados no Comunicado da Cimeira do G7 de Charlevoix sobre políticas e práticas não orientadas para o mercado. Essas medidas e objetivos incluem a plena e imediata implementação das recomendações do Fórum Global sobre a Superoferta de Aço e o desenvolvimento, no âmbito do Grupo de Trabalho Internacional sobre Créditos à Exportação, de um novo conjunto de diretrizes para créditos de exportação apoiados pelo governo.
– Definam e apoiem uma agenda de regras modernas para o comércio e os investimentos, bem como de acesso a novos mercados. Com esse objetivo em vista, todos os membros devem promover o trabalho dos grupos conjuntos informais em torno do comércio eletrônico, da facilitação de investimentos, da regulação interna de serviços e de MPMEs estabelecidos na 11ª Conferência Ministerial da OMC realizada em Buenos Aires, Argentina, em dezembro de 2017.
Um comércio e investimentos vibrantes entre parceiros econômicos são essenciais para garantir sociedades inclusivas e prósperas. Apelamos aos líderes do G20 no sentido de que assumam a sua responsabilidade e garantam as bases necessárias para a cooperação multilateral. A construção da estrutura necessária para o desenvolvimento econômico sustentável, com relações comerciais e de investimento mutuamente benéficas, constitui um desafio comum que exige soluções comuns.
Dieter Kempf
Presidente da Global Business Coalition, GBC
Esta declaração foi emitida pelos membros da Coligação Mundial das Empresas em Berlim, Brasília, Bruxelas, Buenos Aires, Istambul, Londres, Madri, Nova Delhi, Ottawa, Paris, Roma, Seul, Sydney e Washington, DC.
Lista de organizações signatárias:
União Industrial Argentina (UIA)
Grupo Industrial Australiano (Grupo Ai)
BusinessEurope (BE)
Câmara de Comércio Canadense (CCC)
Confederação da Indústria Britânica (CBI)
Confederação da Indústria Indiana (CII)
Confederação da Indústria Italiana (Confindustria)
Federação das Indústrias Alemãs (BDI)
Federação das Indústrias Coreanas (FKI)
Federação Francesa de Empresas (MEDEF)
Confederação Nacional da Indústria do Brasil (CNI)
Confederação de Empregadores e Indústrias de Espanha (CEOE)
Associação Turca da Indústria e das Empresas (TUSIAD)
Câmara de Comércio dos EUA (USCC)
Sobre a GBC – A Global Business Coalition reúne as principais associações empresariais independentes das maiores economias do mundo e defende os interesses de mais de 6,8 milhões de pequenas, médias e grandes empresas.
Estabelecida em 2012, a GBC opera como uma plataforma mundial de intercâmbio entre comunidades empresariais nacionais com o objetivo de promover o consenso e desenvolver posições comuns em torno de questões cruciais para empresas. Por meio da sua abrangente representação, a GBC envolve decisores políticos globalmente e defende políticas que contribuam para o crescimento e a criação de empregos em nível regional e internacional.