Portugal é pela primeira vez desde 1678, três séculos depois, o principal mercado mundial do vinho do Porto. O efeito do turismo destronou a França e arrastou a mudança de um sector que hoje vende menos vinho, mas mais caro.
MANUEL CARVALHO
Trezentos e quarenta anos depois da primeira exportação oficial registada na alfândega (em 1678), Portugal tornou-se o mais importante mercado mundial do vinho do Porto. Durante séculos, o vinho fortificado proveniente do vale do Douro e expedido a partir da barra do Douro teve como destino o mercado britânico. Em 1963, os franceses assumiram a posição de liderança. Por poucas décadas. No ano passado a geografia do vinho do Porto alterou-se de novo. Mesmo que os franceses continuem a ser os principais clientes em quantidade, com 26,2 milhões de garrafas adquiridas contra 16,9 milhões vendidas no mercado nacional, o volume de negócios realizado em Portugal chegou aos 73,7 milhões de euros, cerca de 800 mil euros mais do que as vendas para França.
Os agentes do sector explicam esta mudança histórica recorrendo a diferentes factores, mas há um consenso sobre a sua principal causa: o turismo. “É óbvio que o crescimento do vinho do Porto no mercado nacional se explica pelas compras dos turistas, mesmo que não tenhamos dados em concreto sobre esse comportamento”, diz Manuel Cabral, presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP). No ano passado passaram pelas caves de vinho do Porto cerca de 1,4 milhões de turistas, que, de acordo com uma avaliação da Associação de Empresas de Vinho do Porto e Douro (AEVP) gastaram entre 10 a 20 euros em cada visita – na estimativa do grupo Symington, que gere espaços mais caros como as caves da Graham’s 1890, esse valor rondou os 30 euros. E, para lá do consumo no local, “grande parte dos visitantes compram vinho do Porto”, diz António Filipe, director geral do grupo, recorrendo por vezes a serviços de entrega das compras no país de destino.
Não é apenas em Gaia ou no Porto que o turismo influenciou o dinamismo do mercado interno. “Também em Lisboa se regista um aumento das vendas”, explica Jorge Dias, que dirige a Gran Cruz, a maior empresa do sector. De comum a todos os pontos de venda há um perfil de procura que tem como alvo os vinhos do Porto de categorias superiores. É esse perfil que justifica a liderança do mercado nacional em valor: enquanto em Portugal o preço médio por litro atingiu 5,8 euros, em França não ultrapassou os 3,70. Por cá, os preços médios estão longe de atingir os valores registados em mercados mais exigentes como o dos Estados Unidos (9,16 euros por litro) ou do Canadá (9,52 euros). Mas estão acima do preço médio global (cinco euros). “O que aconteceu com a liderança de Portugal é bom porque o preço médio é bom”, afirma Isabel Marrana, que dirige a AEVP.
E é bom porque sendo Portugal o segundo mercado do vinho do Porto em volume, o factor preço fez com que em 2017 o negócio global tenha crescido 2,6% em valor, situando-se na ordem dos 380,2 milhões de euros. Com este registo, as empresas podem assim compensar o continuado declínio das vendas em volume. Em 2008, o mercado mundial de vinho do Porto andava na ordem dos 118 milhões de garrafas, mas no ano passado tinha-se reduzido para 101 milhões. As quebras na quantidade acabaram assim por ser compensadas pela valorização dos vinhos enquadrados nas “categorias especiais” (vinhos com indicação de idade, Portos Vintage, LBV ou Colheitas). Há oito anos, as empresas do sector venderam 21,9 milhões de garrafas destas categorias que geraram um volume de negócios de 132,9 milhões de euros; em 2017 as vendas em quantidade pouco tinham crescido (22,7 milhões de garrafas), mas as receitas aumentaram 22% para 162 milhões de euros.
“Temos conseguido um crescimento muito sustentado dos preços das categorias especiais”, diz Manuel Cabral. Até porque, ao contrário do que acontecia há 10 ou 20 anos, o conceito de vinhos do Porto topo de gama já não depende em exclusivo dos Porto Vintage. “Antes, o Vintage era o rei do vinho do Porto e hoje em dia esse estatuto é mais discutível”, acrescenta o presidente do IVDP. Boa parte da expansão das categorias especiais tem por isso sido sustentada pelos vinhos do Porto envelhecidos em casco (o chamado estilo tawny), até porque o último grande ano Vintage do sector foi declarado em 2011. No ano passado, os Vintage renderam ao sector 13,9 milhões de euros, enquanto os LBV (Late Bottled Vintage) atingiram 22,7 milhões, os Porto 10 anos 41,5 milhões e os Porto 20 anos 16,4 milhões de euros. Como sinal da mudança do mercado mundial do sector em relação a vinhos mais raros e caros, note-se o desempenho da categoria “mais de 40 anos”: no ano passado venderam-se 85.464 garrafas destes vinhos mais velhos que renderam 5,6 milhões de euros. Ou seja, cada garrafa foi vendida a um preço médio de 68,5 euros.
Numa época em que “os vinhos fortificados têm sido muito castigados pelo volume de álcool e pelo elevado teor de açúcar, o registo do vinho do Porto é interessante”, diz Isabel Marrana. Mas para lá das contas gerais das empresas há uma realidade menos positiva que afecta em especial os produtores durienses. “A queda dos volumes comercializados preocupa-me porque ameaça a sustentabilidade da produção”, nota Jorge Dias. O administrador da Gran Cruz, empresa da multinacional La Martiniquaise que nos últimos anos investiu 70 milhões de euros no sector, nota que “para a produção, uma pipa de vinho vale o mesmo dinheiro, seja para um Porto normal ou para um Porto luxuoso”. A redução dos quantitativos de produção de vinho do Porto pode assim afectar a viabilidade de muitos produtores.
Para as empresas, a aposta nas categorias especiais parece ser o grande vector do vinho do Porto dos próximos anos. No geral, os seus stocks de vinhos velhos estão garantidos, seja através de uma política de gestão de activos perspectivada a longo prazo, como acontece nas empresas do grupo Symington, na Sogevinus (Cálem, Burmester, e Kopke, entre outras) ou na Ramos Pinto, seja através da aquisição de companhias de menor dimensão mas com stocks valiosos de vinhos velhos, como aconteceu com a compra da Krohn pelo grupo Fladgate Partnership (Taylor’s e Fonseca). De resto, nos últimos anos as empresas reforçaram os seus stocks globais, “que andarão hoje num rácio de stock sobre as vendas de 3,74”, diz António Filipe – de acordo com a Lei do Terço, as empresas só podem vender um terço dos vinhos que tenham armazenados. Mas estas opções de gestão não resolvem o problema suscitado por Jorge Dias.
No ano passado, a Gran Cruz, que domina o mercado francês, conseguiu resistir à queda de 5,3% no volume de vendas para a França. A sua exportação estagnou, depois de obter ligeiros crescimentos nos últimos anos. A razão deste desempenho? “Apostamos na promoção”, diz Jorge Dias. Lutar contra a queda das vendas em mercados importantes como o da França, Holanda ou Bélgica exige outra atitude, diz o líder da Gran Cruz. “Nós estamos aqui confortavelmente e não fazemos nada, quando temos de perceber que o mundo mudou e é preciso estar atento às necessidades das pessoas”, acrescenta Jorge Dias, dando como exemplo uma bebida que há alguns anos estava “moribunda” e hoje, após intensas campanhas de marketing, se tornou um objecto de culto: o gin.