Teerã e Washington acordam soltura de prisioneiros e transferência, por parte da Casa Branca, de fundos bloqueados por sanções. Um dos cinco norte-americanos era mantido no cárcere desde 2015. Em Brasília, embaixador iraniano Hossein Gharibi fala da sua preocupação.
Rodrigo Craveiro – Correio Braziliense
Em uma manobra considerada de alto risco político para o presidente norte-americano, Joe Biden, os Estados Unidos firmaram um acordo com o Irã para a troca de cinco prisioneiros de cada lado, sob mediação do governo do Catar. Cinco norte-americanos que estavam detidos na República Islâmica foram libertados, chegaram ao Aeroporto Internacional de Doha, por volta das 17h40 desta segunda-feira (18/9) (11h40 em Brasília), e de lá seguiram viagem rumo a Washington..
Uma das condições para a soltura foi cumprida pouco antes: a transferência, por parte de Teerã, de US$ 6 bilhões (cerca de R$ 29 bilhões) em fundos iranianos congelados na Coreia do Sul, no âmbito das sanções impostas ao regime teocrático islâmico. “O equivalente a 5.573.492.000 euros foi depositado na conta de bancos iranianos”, confirmou Mohammadreza Farzin, governador do banco central iraniano, em Teerã.
Os EUA, por sua vez, anistiaram cinco prisioneiros iranianos — dois deles desembarcaram em Doha, ontem, de onde partiriam para Teerã. Os outros três não demonstraram o desejo de retornar ao país natal. Entre eles, estão Reza Sarhangpour e Kambiz Attar Kashani, acusados de “evasão das sanções” contra o Irã.
Três dos norte-americanos — Morah Tahbaz, Emad Shargi e Siamak Namazi — ficaram mais de cinco anos presos no Irã. Dois ex-prisioneiros não tiveram as identidades reveladas. Por meio de comunicado à imprensa, o presidente Biden disse que “reunir americanos detidos injustamente com os seus entes queridos tem sido prioridade” desde o primeiro dia de seu governo.
“Siamak Namazi, Morad Tahbaz, Emad Sharghi e dois cidadãos que desejam ter a privacidade resguardada irão em breve reunir-se com os seus entes queridos, depois de suportarem anos de agonia, incerteza e sofrimento”, comemorou o democrata, antes de agradecer os esforços dos governos de Catar, Omã, Suíça e Coreia do Sul para que o acordo fosse concluído.
Mais sanções
Biden também anunciou novas sanções contra o ex-presidente Mahmud Ahmadinejad e o Ministério da Inteligência iraniano por seu envolvimento em “detenções injustas”. “Nós continuaremos a impor custos ao Irã por suas ações provocativas no Oriente Médio”, avisou o presidente norte-americano. A família de Morad Tahbaz se disse “aliviada” e “radiante” com o fato de ele estar livre e retornando para casa, depois de seis anos. “Somos gratos ao presidente Biden e seu governo por tomarem a difícil, porém necessária, decisão de priorizar as vidas de cidadãos norte-americanos sobre a política. Obrigado por sua liderança com coragem e compaixão”, afirma a nota.
Por sua vez, Siamak Namazi exortou Biden a se engajar em um “esforço global revolucionário” para acabar com a prática de manter cidadãos estrangeiros como reféns. “Ao longo de 44 anos, o regime iraniano dominou o desagradável jogo de enjaular americanos e estrangeiros inocente e comercializar sua liberdade”, comentou o homem de 51 anos que ficou 2.898 dias detido no Irã, grande parte do tempo na temida prisão de Evin, condenado por espionagem. Namazi instou o mundo a impor “consequências draconianas” àqueles que usam vidas humanas como “meras moedas de troca”.
Em entrevista ao Correio, Hossein Gharibi, embaixador do Irã no Brasil desde março de 2020, afirmou que seu país se preocupa com os direitos de seus cidadãos injustamente presos no exterior e há meses tem acompanhado o caso dos cinco iranianos libertados ontem.
“Estamos felizes em ver essas pessoas retornando para suas famílias e seus entes queridos. De um modo geral e legalmente falando, as sanções unilaterais contra o Irã são ilegais e violam a Resolução 2.231 do Conselho de Segurança da ONU”, explicou Gharibi. “Os fundos iranianos foram ilegalmente congelados, sob pressão dos EUA. Agora, foram legitimamente restaurados, para o interesse da nação do Irã.” Ainda segundo o diplomata, Teerã reserva-se o direito de pedir compensações pelo período em que os fundos estiveram inacessíveis. “Nós acreditamos que a resolução das diferenças e conflitos, por meio de negociações, é o melhor caminho para manter a paz”, acrescentou o embaixador.
“Terrível manobra”
O especialista independente iraniano-americano Alireza Nader, baseado em Washington, denunciou um “terrível manobra” por parte do governo Biden. “Os EUA estão dando US$ 6 bilhões a um regime terrorista como resgate por cinco reféns. Isso apenas encorajará o regime de Teerã a sequestrar mais pessoas. Três cidadãos americanos de origem iraniana estão sendo deixados para trás”, disse à reportagem.
Nader adverte que “a República Islâmica usará o dinheiro para assassinar mais iranianos, atacar norte-americanos e desestabilizar o Oriente Médio.” Segundo ele, o acordo de troca de prisioneiros é o primeiro passo “rumo a um pacto nuclear que permitirá a Teerã receber milhões de dólares”. “Essa tratativa não muda o comportamento da República Islâmica. O regime continuará a ser inimigo declarado dos EUA.”
DUAS PERGUNTAS PARA…
Hossein Gharibi, embaixador do Irã no Brasil
Como o senhor vê o temor de críticos de que o Irã use o dinheiro no programa nuclear?
O governo da República Islâmica do Irã usa os fundos à sua disposição para cumprir com as prioridades dos programas orçamentários anuais propostos pelo governo e adotados pelo Parlamento. Nosso programa nuclear pacífico tem seu próprio orçamento e continua a seguir as orientações internacionais sob a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Parece inapropriado que aqueles que estão por trás de sanções ilegais façam suposições sobre coisas que inerentemente estão sob a jurisdição interna de um país.
Podemos esperar uma abordagem mais aberta nas relações entre Irã e Estados Unidos?
O Irã sempre declarou sua disponibilidade para se envolver na diplomacia de boa-fé. Foram os EUA que se recusaram a continuar a honrar os seus compromissos nos termos dos acordos anteriores. O Irã tem uma longa história de participação em negociações e de respeito ao direito internacional. (RC)