Por Kssyn-Jomart Tokayev – Presidente do Cazaquistão
Para construir um novo sistema de segurança internacional, o mundo precisa de um novo movimento global pela paz. Acredito que o papel dos líderes religiosos será indispensável nesse sentido.
Não é segredo que o mundo está vendo um aumento nas tensões internacionais e a erosão da ordem mundial em vigor desde a criação das Nações Unidas. Blocos divisivos, não vistos desde a Guerra Fria, estão retornando rapidamente. Como resultado, nosso planeta está enfrentando sérias ameaças, como uma nova corrida armamentista global, a ameaça do uso de armas nucleares e a proliferação de guerras em todos os formatos, incluindo as quentes, híbridas, cibernéticas e comerciais.
Nesse clima de tensão e crescente turbulência geopolítica, é fundamental desenvolver novas abordagens para fortalecer o diálogo e a confiança entre as civilizações.
A diplomacia é, sem dúvida, fundamental para facilitar a cooperação. O Cazaquistão sempre apoiou a resolução de disputas exclusivamente na mesa de negociações, com base na Carta das Nações Unidas. Nosso país tem promovido consistentemente princípios que visam alcançar paz duradoura, segurança e progresso sustentável em todo o mundo.
Apesar de todos os esforços, o conflito continua sendo uma coisa comum em muitas regiões do mundo.
Para construir um novo sistema de segurança internacional, o mundo precisa de um novo movimento de paz mundial. Acredito que o papel dos líderes religiosos será indispensável nesse sentido. Aproximadamente 85% da população mundial se identifica com uma religião, o que a torna um fator significativo em nossas vidas. Portanto, os líderes religiosos têm uma influência significativa nos assuntos mundiais. Além disso, o valor sagrado da vida humana, o apoio mútuo e a rejeição da rivalidade e hostilidade destrutivas são um conjunto de princípios compartilhados por todas as religiões. Portanto, estou convencido de que esses princípios podem formar a base de um novo sistema mundial.
Como os líderes religiosos podem contribuir para o avanço da paz mundial?
Como isso pode funcionar na prática?
Primeiro, os líderes religiosos podem contribuir para curar as feridas do ódio após um conflito duradouro. A Síria é um exemplo disso. O Cazaquistão saúda o fato de que as hostilidades praticamente terminaram naquele país. Estamos felizes por termos contribuído para isso por meio das conversações de paz do Processo de Astana, que desde 2017 facilitou as negociações entre representantes do governo sírio, da oposição, bem como da Turquia, do Irã e da Rússia.
Entretanto, embora a fase quente do conflito tenha terminado, as divisões dentro do país persistem. Os líderes espirituais podem desempenhar um papel importante na cura da sociedade síria por meio do poder da religião.
Terceiro, as novas tecnologias estão mudando radicalmente todas as esferas da vida humana. Essas mudanças são, em sua maioria, para melhor, como a melhoria da assistência médica, informações on-line ilimitadas e facilidade de comunicação e viagem. Ao mesmo tempo, observamos como as sociedades estão se fragmentando e se polarizando sob a influência da tecnologia digital.
Na nova realidade digital, há também a necessidade de cultivar valores espirituais e diretrizes morais. A religião também tem um papel fundamental a desempenhar aqui, pois todas as crenças se baseiam em ideais humanísticos, no reconhecimento do valor supremo da vida humana e na aspiração pela paz e pela criação.
Esses princípios fundamentais devem ser refletidos não apenas na esfera espiritual, mas também no desenvolvimento socioeconômico dos países e na política internacional.
Sem se basear nos ideais humanistas e na ética, a rápida revolução científico-tecnológica pode desviar a humanidade do caminho certo. Já estamos testemunhando esses debates com o advento da inteligência artificial geral.
Em última análise, a autoridade moral e a palavra dos líderes espirituais são cruciais hoje em dia.
É por isso que tenho orgulho do fato de o Cazaquistão sediar, há 20 anos, o Congresso de Líderes Religiosos cada tres anos. Criado em 2003 como uma resposta direta ao aumento das divergências inter-religiosas e do extremismo após o ataque terrorista de 11 de setembro nos Estados Unidos, o Congresso fortaleceu o diálogo inter-religioso ao reunir líderes religiosos.
Isso permitiu um diálogo significativo sobre como unir esforços para promover um melhor entendimento entre representantes de diferentes culturas e comunidades religiosas.
Antes de me tornar presidente do Cazaquistão em 2019, tive a honra de chefiar o Secretariado do Congresso.
Observei como o Congresso promoveu a tolerância e o respeito mútuo em contraste com o ódio e o extremismo.
No ano passado, nosso país realizou o 7º Congresso de Líderes Religiosos. Delegações de 50 países compareceram, incluindo representantes do Islã, do cristianismo, do judaísmo, do xintoísmo, do budismo, do zoroastrismo, do hinduísmo e de outras religiões. Tive a honra de dar as boas-vindas ao Papa Francisco, a segunda visita do chefe da Igreja Católica ao Cazaquistão após a visita do Papa João Paulo II em 2001.
Nas últimas duas décadas, o Congresso tornou-se uma plataforma para o diálogo intercivilizacional em nível global. Acredito que ele contribuiu significativamente para o sucesso do Cazaquistão na formação de uma sociedade estável e harmoniosa, uma população composta por mais de 100 grupos étnicos e 18 religiões que hoje vivem em paz em nosso país.
Por meio de seu compromisso com a tolerância religiosa e os direitos humanos, o Cazaquistão é um exemplo para o mundo, mostrando a importância do diálogo inter-religioso na criação de uma sociedade global mais pacífica e harmoniosa.
Como o mundo continua atolado em incertezas políticas, uma ponte de aproximação entre culturas e civilizações é mais necessária do que nunca. Estou determinado a garantir que o Cazaquistão facilite o diálogo global entre religiões e nações, inclusive por meio do trabalho do Congresso de Líderes Religiosos, contribuindo assim para a compreensão e o respeito mútuos nas sociedades.
O autor é o Presidente do Cazaquistão.