O governo da França provocou a fúria dos agricultores ao anunciar que, até 2022, o agrotóxico mais utilizado do mundo, o glifosato, vai ser proibido em solo francês. O produto, conhecido pelo nome de Roundup e formulado pela gigante americana Monsanto, é um eficiente herbicida usado no preparo do solo para o plantio.
Temendo perder competitividade internacional, os produtores franceses fizeram protestos e obrigaram o governo a recuar: o plano agora é promover o fim do glifosato, estimulando o uso de produtos alternativos. A polêmica se acelerou depois que um estudo, realizado pela associação Générations Futures, revelou que o agrotóxico deixa resíduos nos alimentos e vai parar na mesa dos consumidores.
François Veillerette, porta-voz da entidade, espera que o governo aplique a restrição, apesar das pressões. A França, a maior produtora agrícola da Europa, é um dos únicos países da União Europeia a defender a proibição do herbicida no bloco.
“É preciso que o governo aguente firme, que não ceda às pressões. Muito se falou sobre o glifosato não deixar resíduos nos alimentos e hoje sabemos que não é verdade. A análise de produtos que consumirmos regulamente mostrou que ele foi encontrado em mais da metade das amostras”, alerta Veillerette. “Hoje, não apenas o produto é perigoso como ele parece estar, com frequência, no prato das pessoas. É mais uma razão para ele ser proibido o mais rápido possível.”
Sucesso mundial – apesar das controvérsias
O glifosato foi sintetizado pela Monsanto nos anos 1970 e rapidamente se transformou no produto químico mais encontrado nas plantações mundo afora, para o combate às ervas daninhas. Os diferentes estudos para avaliar a nocividade do produto para o homem são inconclusivos: para a OMS (Organização Mundial da Saúde), ele é provavelmente cancerígeno, porém a Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos e a Agência Europeia de Produtos Químicos desmentiram o órgão da ONU.
Na opinião do biólogo Bruno Schiffers, especialista no estudo de agrotóxicos na Universidade de Liège, na Bélgica, essas contradições alimentam as incertezas sobre o futuro do herbicida na Europa. Ele acha que dificilmente a União Europeia vai barrar o Round Up enquanto não for provado que ele provoca doenças no homem. O pesquisador nota, porém, que os danos do produto ao meio ambiente são bem menos contestados do que os causados à saúde humana.
“Há estudos sérios que mostram os efeitos dele nos micróbios do solo, na rizosfera, do ciclo do azoto. Sabemos também que ele tem interações com o fósforo do solo. Os solos ricos em fosfato retêm menos o glifosato e o produto acaba penetrando mais profundamente nas camadas do solo”, explica o pesquisador. “Sem contar que ele tem efeitos na fauna selvagem, nos pássaros e nos peixes, nos quais foram constatados casos de câncer nos rins.”
O especialista ressalta que mais perigosos ainda são os químicos associados ao glifosato – sobre os quais a fiscalização é menos rigorosa. “Seria preciso fazer uma reavaliação dos produtos comerciais antes de lhes dar uma nova autorização de venda. Existem mais de 400 produtos diferentes, que contém o que chamamos de ‘coformulantes’, para fazer penetrar o químico nas plantas”, adverte. “Em testes em animais e em testes in vitro, esses produtos se mostraram problemáticos.”
Poucas alternativas
Em um ponto os agricultores têm razão: por enquanto, nenhum outro produto disponível no mercado é tão eficiente quanto o glifosato. Schiffers afirma que as pesquisas avançaram na criação de inseticidas e fungicidas menos poluentes, mas não em novos herbicidas.
“O único produto que parece ser relativamente eficaz é um extrato de óleo de canola, chamado ácido pelargônico. Há também alguns óleos essenciais que são bem interessantes, mas ainda não temos um produto equivalente que seja eficaz, com um preço acessível, sem danos ao meio ambiente e que seja tão eficiente quanto o glifosato”, afirma. “Quem encontrar esse novo produto vai fazer um jackpot.”
A Comissão Europeia deve renovar, nas próximas semanas, a autorização para a comercialização do produto. A licença atual expira em dezembro e pode ser prolongada por 10 anos.