Por Rachel Alves Nariyoshi
Há 300 mil anos surgiu a primeira espécie de videira e hoje, a família Vitaceae abrange 600 espécies. O gênero Vitis é o mais importante. A Vitis Labrusca (videira americana) é a indicada para consumo in natura, elaboração de sucos e vinhos de mesa e a Vitis Vinífera (videira europeia) é a indicada para elaboração dos vinhos finos; e há mais de 5.000 variedades Vitis Vinífera diferentes, embora apenas 60 sejam efetivamente exploradas comercialmente para elaboração de vinhos, segundo o Professor Eduardo Giovannini no Manual de Viticultura. Esta diversidade segue aumentando e diariamente surgem novas variedades. De um lado, existem os cruzamentos, que é quando duas cultivares da mesma espécie se combinam em uma nova variedade, por exemplo: a variedade Vitis Vinífera Cabernet Sauvignon é fruto do cruzamento das variedades Cabernet Franc e Sauvignon Blanc, também Vitis Viníferas. De outro lado, são as cultivares híbridas, aquelas resultantes do cruzamento de duas variedades de espécies diferentes (Vitis Vinífera x Vitis Labrusca), como por exemplo a variedade Niagara é fruto do cruzamento da Vitis Labrusca Concord com a Vitis Vinífera Cassady. As cultivares híbridas carregam no seu DNA genes e características olfativas e gustativas das variedades Vitis Viníferas.
Cientistas e pesquisadores em todo o mundo vêm desenvolvendo novas variedades e no Brasil não é diferente. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – Unidade Uva e Vinho -, fundada para desenvolver um modelo de agricultura vitivinícola genuinamente tropical criou o “Programa de Melhoramento Genético Uvas do Brasil”, que já lançou 21 cultivares “BRS” voltadas para o consumo in natura e para a elaboração de sucos, vinhos e derivados. Variedades especialmente adaptadas para as diferentes condições dos terroirs brasileiros, como clima, relevo, altitude, umidade, tipo de solo, precipitação pluvial, etc. Esse programa mantém o maior acervo de videiras de toda a América Latina com 1400 matrizes originárias de diferentes partes do mundo.
A sigla BRS (BR=Brasil e S=Sementes), seguida do nome fantasia identifica cultivares híbridas desenvolvidas pela Embrapa. São 100% brasileiras, têm maior produtividade, necessitam de menos tratamentos fitossanitários, são resistentes às podridões dos cachos, são mais resistentes às doenças como o míldio e o oídio, apresentam mais alto grau de açúcar, têm maior potencial enológico, têm diferentes ciclos de produção, dentre outros benefícios. Citaremos algumas delas:
BRS Bibiana: é uma cultivar branca, cujas características remetem àquelas de uvas europeias, especialmente o Sauvignon Blanc. Adapta-se melhor ao clima subtropical úmido da região da Serra Gaúcha, tem alta produtividade, demanda menos tratamentos fitossanitários porque tem os cachos soltos. O grande diferencial da BRS Bibiana é sua constituição genética de quase 70% de Vitis Vinífera em seu DNA.
BRS Carmem: é uma cultivar tardia, de coloração tinta, para elaboração de suco e vinho, cuja cor violácea intensa, aroma e sabor lembram a framboesa, elementos similares aos obtidos com a uva Bordô. Seu grau de doçura (Brix) é de 19º. Sua adaptabilidade geográfica é para as Regiões Sul e Sudeste.
BRS Clara: é uma cultivar branca sem sementes com polpa incolor, muito valorizada para consumo in natura por conta do seu sabor moscatel leve e agradável. Sua indicação de cultivo é para as Regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
BRS Cora: é uma cultivar com intensa cor violeta que possui alta produtividade. Sua finalidade é para elaboração de sucos e tem boa relação açúcar/acidez com agradável sabor de framboesa. Apresenta Brix de 18º a 20º. É indicada para a melhoria da coloração de sucos, em cortes variados e se adapta bem às regiões Sul, Sudeste e Nordeste.
BRS Isis: é uma cultivar sem sementes, de cor vermelha, sabor neutro e agradável. Bastante vigorosa e a produtividade pode passar de 25 toneladas por hectare, podendo chegar a 50 toneladas de produção por ano no Vale do São Francisco. Usada para consumo in natura em várias regiões brasileiras desde o Nordeste até as áreas de agricultura familiar do Rio Grande do Sul, onde o fato de ter seu amadurecimento tardio é interessante para aumentar o período de colheita.
BRS Linda: é uma cultivar branca, sem sementes, de polpa incolor, firme e com sabor neutro, bem aceita pelo consumidor brasileiro que prefere frutas com menos acidez. Normalmente produz 2 cachos por ramo e elevada capacidade produtiva. Indicada para ser cultivada nas Regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
BRS Lorena ou BRS UV 127 31: é uma cultivar branca, com sabor moscatel, indicada para a elaboração de vinhos brancos de mesa aromáticos e frisantes. Plenamente adaptada às condições ambientais do sul do Brasil, possui alta produtividade. Apresenta Brix de 20º a 22º. A elevada produtividade é uma das vantagens desta cultivar quando comparada a outras uvas brancas. Indicada para ser cultivada nas Regiões Sul, Sudeste e Nordeste.
BRS Magna: é uma cultivar tinta com alto potencial produtivo para elaboração de sucos, rica em matéria corante e pode ser varietal. Considerada uma cultivar completa, podendo ser usada em cortes com outras cultivares conferindo-lhes cor, doçura, aroma e sabor. Com potencial produtivo de 30 toneladas por hectare e seu Brix é de 17º a 19º. Indicada para ser cultivada nas Regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
BRS Margot: é uma cultivar tinta resultante do cruzamento da uva Vitis Vinífera Merlot e outra híbrida, a Villard Noir. Sua finalidade é para elaboração de vinho. Tem boa resistência às doenças, facilidade de manejo e o seu Brix pode chegar a 21º. Seu vinho apresenta características olfativas e gustativas semelhantes àqueles elaborados com as uvas Vitis Viníferas. Pode ser utilizada em cortes, contribuindo especialmente para a melhoria do teor alcoólico natural, agregando-lhes maior fineza. Indicada para ser cultivada nas Regiões Sul e Sudeste.
BRS Núbia: é uma cultivar de coloração preta com sementes, de bagas naturalmente grandes de textura firme e crocante. Está sendo testada no Rio Grande do Sul em cultivo protegido por cobertura, apresentando excelente performance. Também apresenta menos problemas relacionados às podridões de cachos na fase de maturação e tolerância intermediária ao míldio. Indicada para ser cultivada nos terroirs das Regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
BRS Rúbea ou BRS UV H65 9 14: é uma cultivar filha da variedade Vitis Labrusca Bordô, rica em pigmentos que são encontrados nas cascas e nas sementes. Apresenta Brix de 15º, intensa cor violácea e características de aroma e sabor de alta qualidade. Usada para a elaboração de sucos, vinhos tintos para corte com outros vinhos de pouca coloração, como da uva Isabel por exemplo. É uma boa opção para o clima temperado da Região Sul do Brasil. É uma uva tinta cuja principal vantagem é o alto conteúdo de matéria corante, que confere intensa coloração e resulta em vinhos e sucos com melhor qualidade final.
BRS Violeta: é uma cultivar tinta que já está bem adaptada à região Sul do Brasil, sob condições de clima temperado e subtropical, e também ao clima tropical do Nordeste. De ciclo precoce, é uma alternativa para incrementar a qualidade e a competitividade do vinho de mesa e do suco de uva. Tem produtividade de 30 toneladas por hectare e seu Brix é de 19º a 21º.
No Brasil se planta muito a variedade Isabel, conhecida como a “la brasiliana”. Entretanto essa cultivar não é uma BRS, é uma Vitis Labrusca, ou seja uma uva americana, mas tem um clone desenvolvido pela Embrapa com o nome de Isabel Precoce ou ISACL 1. Há ainda a BRS UV 106 93 ou Moscato Embrapa que tem 75% de DNA de Vitis Vinífera em sua constituição genética, garantindo semelhança aos vinhos finos da variedade Moscato. Continuando as pesquisas, a Embrapa criou a Dona Zilá uma cultivar rosada de maturação tardia; criou também a cultivar Tardia de Caxias, também de coloração rosada com cachos e bagas grandes e, finalmente, a BRS CDCL 1 ou Concord Clone 30, cultivar escura que é um clone da cultivar Concord. Observaram que a maioria das BRS têm nomes femininos? Isso é outra história que será contada posteriormente.
Minha admiração pela Embrapa é de longa data. Já fiz cursos nas unidades de Bento Gonçalves/RS e Colombo/PR e, na 3ª edição da Wine South América, que aconteceu em Bento Gonçalves em 2022, tive a honra de ser convidada pelo pesquisador da Embrapa, Professor João Carlos Taffarel para participar de uma degustação às cegas dos vinhos elaborados a partir das BRS (Rúbea, Lorena, Cora, Carmen e Bibiana). Eram 5 vinhos tranquilos e 1 vinho espumante, este elaborado da BRS Bibiana. E aqui preciso contar que, ao serem revelados os vinhos, observei que o espumante era um Demi-Sec da Vinícola gaúcha Buffon. No seu rótulo, deparei com dois termos conhecidos: “Método Tradicional” e “Frisante Natural Branco”. Tradicional é aquele método de elaboração do vinho espumante onde a segunda fermentação acontece na garrafa e não nas autoclaves e, Frisante é quando o vinho contém gás proveniente da fermentação em menor quantidade que o vinho espumante. No rótulo, havia também a informação de que aquele vinho passou 180 dias de autólise (Leveduras mortas em contato com o vinho quando há liberação de diversas substâncias que o enriquecem na textura, corpo, cremosidade e complexidade).
Daí a dúvida: Como pode vinho Frisante elaborado pelo método tradicional? Como a variedade BRS Bibiana é uma cultivar híbrida (não é 100% Vitis Vinífera), então o seu vinho só pode ser rotulado como frisante e não “vinho espumante”, de acordo com a Lei nº 7678/1988. Explicado! Entendido!
Em outra oportunidade, numa visita técnica à Embrapa Uva e Vinho de Bento Gonçalves com a delegação da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Viticultura, Vinhos e Derivados conhecemos as geleias e os sucos elaborados das BRS. Não deu para escolher qual era o melhor suco, o mais saboroso, o mais cremoso. Eram todos excelentes. Enfim, são produtos de alta qualidade e estou aqui para ajudar você, caro leitor, a quebrar os paradigmas e conhecer os produtos das cultivares híbridas BRS.
As BRS híbridas são cultivadas em grandes quantidades pelo Brasil do Sul ao Nordeste. E nós parabenizamos os pesquisadores da Embrapa pelo excelente trabalho e brindamos o vinho nacional.
@rachelalves.professoravinhos
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