Há 100 anos, em 19 de setembro de 1920, o distrito federal do Brasil recebeu um soberano estrangeiro pela primeira vez: tratava-se do rei dos belgas Alberto I. A sua visita de Estado ao Brasil a convite do presidente Epitácio Pessoa permanece até hoje praticamente única na história diplomática mundial. O rei tornou-se Cidadão Honorário e Marechal do Brasil e recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul. Ele inaugurou a Avenida Niemeyer no Rio e um viaduto recebeu seu nome além de muitas ruas e escolas nomeadas com o nome dele ou da sua esposa, a Rainha Elisabeth. Durante paradas, revistas militares e desfiles nas ruas, dezenas de milhares de soldados, marinheiros e policiais saudaram o “Rei-Soldado”, herói da Grande Guerra na Europa. Incentivados pelos feriados decretados para a ocasião, milhões de brasileiros foram às ruas para ver o casal real passar, muitos também correram para a praia de Copacabana para vê-los nadando em seus maiôs – uma atividade até então incongruente para um burguês e, a fortiori, para um rei.
A oferta de tal luxo ao líder de um pequeno país europeu é algo menos surpreendente do que parece se soubermos que, antes da guerra, a Bélgica era o terceiro maior investidor no Brasil (e o é ainda hoje segundo o critério de controlador final do Banco Central do Brasil!). Como resultado da visita, a Belgo-Mineira também foi criada no ano seguinte e lançou a siderurgia moderna do Brasil. Mas, além da economia, no Rio, em Belo Horizonte e em São Paulo, muitas das maiores mentes artísticas, criativas e inovadoras do país estiveram envolvidas no evento, junto com jóqueis, iatistas, aviadores, chefs, ginastas… e 1500 jogadores de futebol reunidos para uma partida de exibição no estádio do Flu. A galeria de retratos das celebridades da época envolvidas durante o mês que durou a visita inclui Heitor Vila Lobos, Donga e os Oito Batutas, os aviadores Alberto Santos-Dumont e Edu Chaves, Raul Pederneiras, o jovem Carlos Drummond de Andrade, dezenas de virologistas e biólogos dos institutos Oswaldo Cruz/FioCruz e Butantã e o jardim botânico do Rio, que o Rei e a Rainha visitaram longamente. Recebido no Parlamento e no STJ, o rei também se encontrou com os grandes políticos da época – entre eles meia dúzia de ex-presidentes e futuros presidentes. Grande amigo de Pessoa, que conhecera na Conferência de Versalhes, e do seu grande rival o senador Ruy Barbosa (que jantou com ele no último dia da visita), o rei pôde agradecer a este e a outros que – como seu colega Irineu Machado – trabalharam na defesa da Bélgica desde sua invasão em 1914.
O rei e a rainha passaram inúmeros dias no distrito federal e lá encontraram diversas vezes o prefeito do Distrito, Carlos Sampaio, mas eles nunca vieram ao Centro-Oeste porque o “DF” ainda era estabelecido na Guanabara. No entanto, se o rei não seguiu, em Brasília, os passos do geodesista belga Louis Ferdinand Cruls, que havia marcado a futura capital um quarto de século antes, ele se interessou de perto por suas descobertas e conheceu muitos outros “pioneiros”, incluindo outro engenheiro e explorador militar, o futuro Marechal Cândido Rondon – cujo amigo Tasso Fragoso fora nomeado seu ajudante de campo. Rondon em suas memórias chama Alberto de “o homem que salvou a civilização”. Ao lado de Fragoso, o rei teve como oficial de ligação na visita outro pai de Brasília: o futuro Marechal José Pessoa, que havia lutado na Bélgica na 1ª Guerra Mundial com outros dois tenentes da “Missão Aché”. Na ausência do Planalto Central, Alberto, amante da natureza e fã de alpinismo (morreu, a propósito, ao cair de uma falésia em 1935), vai aproveitar a estadia para escalar muitos paredões de montanhas de Minas Gerais e dos estados do Rio e São Paulo. Dizem que o alpinismo criou o único pequeno incidente diplomático da viagem, no Rio, quando seus anfitriões mostraram ao rei a magnífica escadaria que haviam esculpido para ele e a rainha na pedra do Morro da Tijuca, e o rei respondeu que preferia escalar a encosta da montanha! Dizem também que o rei se mostrou fascinado pelos cavalos (era chamado de “Rei-Cavaleiro”!), pela feijoada e pela cachaça. Quanto às paisagens do sertão central, amou-as tanto que sempre manteve na parede do seu quarto no Palácio de Laeken a pequena tela “Curtume de João Vidal (trecho a beira da Estrada de Ferro Central do Brasil)” do pintor mineiro Honório Esteves, recebida em Belo Horizonte.
Info sobre comemorações do centenário:@embaixadadabelgica
Patrick Herman é embaixador da Bélgica no Brasil