Rodrigo Craveiro
Joe Biden completa marca simbólica do governo com medidas importantes nos campos do bem-estar social, do ativismo ambiental e da economia. Para analistas, vacinação contra coronavírus foi o destaque
Diante do Congresso dos Estados Unidos e sob a bandeira norte-americana, Joe Biden declarou: “Seguiremos em frente com velocidade e urgência, pois temos muito a fazer neste inverno de perigos e possibilidades significativas”. Era meio-dia de 20 de janeiro de 2021 e o republicano Donald Trump tinha acabado de partir rumo à Flórida. Hoje, o governo Biden completa 100 dias em ritmo alucinante e com pelo menos dois trunfos: o combate à pandemia da covid-19 e o retorno ao protagonismo na política ambiental.
Na véspera da data simbólica, Biden discursou, ontem, em sessão conjunta do Congresso, e apresentou um plano intitulado “Projeto para as famílias americanas”. O pacote de medidas prevê a elevação da alíquota máxima de imposto de 37% para 39,6%; o aumento de impostos para os 0,3% mais ricos; a ampliação do valor de crédito fiscal concedido por criança, de US$ 2 mil para até US$ 3,6 mil; e a injeção de até US$ 200 bilhões para que todas as crianças possam ir à creche a partir dos 3 anos.
Desde o dia em que prestou juramento como o 46º presidente dos Estados Unidos, Biden devolveu o país ao Acordo de Paris — pacto que busca mitigar os efeitos das mudanças climáticas —, reaproximou a nação de aliados históricos, priorizou o bem-estar social e impulsionou a economia. A pedido do Correio, especialista de três renomadas universidades fizeram um balanço dos três primeiros meses de gestão democrata.
Professor de ciência política da Faculdade de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard, Matthew Baum avalia que, no geral, os 100 primeiros dias à frente da Casa Branca foram bem-sucedidos em duas dimensões importantes. “Primeiro, sua administração teve sucesso notável com o lançamento da campanha de imunização contra a covid-19. Biden quebrou todas as expectativas em relação à velocidade com que as vacinas foram desenvolvidas, distribuídas e aplicadas. Em segundo lugar, ele cumpriu o prometido sobre a economia, que parece prestes a decolar, certamente em parte devido ao pacote de resgate financeiro que conseguiu aprovar no início do mandato”, explicou.
Segundo Baum, isso incluiu uma ampla gama de programas destinados a devolver à nação alguma aparência de normalidade, como trazer as crianças de volta à escola. “Nesses aspectos, as coisas correram extremamente bem para Biden”, reconheceu. “Em muitas áreas políticas, Biden tem buscado agressivamente reverter as políticas e as atividades da administração Trump.” Para ele, a falha mais notável do democrata, até o momento, foi o gerenciamento da crise migratória na fronteira sul. “Não tenho dúvidas de que foi algo politicamente prejudicial para Biden”, disse.
Desigualdades
“O presidente Biden tem feito muito nos primeiros 100 dias de gestão. O governo ajudou muitos norte-americanos a se vacinarem contra a covid-19. Também persuadiu o Congresso a aprovar uma legislação para auxiliar as pessoas a enfrentarem a pandemia”, afirmou Stephen Yale-Loehr, professor de Práticas de Leis de Imigração da Universidade de Cornell. Quanto ao plano anunciado ontem no Capitólio, ele o qualifica como “importante”, mas “longe de ser alcançado”. “Se promulgado, o projeto ajudaria a reduzir as desigualdades de renda e criaria empregos. No entanto, resta saber se terá a aprovação do Congresso.”
No campo da imigração, Yale-Loehr cita a suspensão do veto à entrada de cidadãos oriundos de países muçulmanos nos EUA. “Biden também declarou que crianças desacompanhadas na fronteira não deveriam ser detidas enquanto buscarem asilo. No entanto, ele fracassou em aumentar o número de refugiados de outros países. Vale lembrar que Trump fez mais de 400 mudanças na política migratória. Levará algum tempo para desfazer essas alterações”, disse o especialista.
De acordo com Bruce Ackerman, professor de direito da Universidade de Yale, Biden reafirmou o compromisso fundamental da América com a democracia e o iluminismo. “Além disso, ele tomou medidas eficazes em resposta à covid-19 e ao impacto econômico devastador sobre os empregos. No entanto, Biden tem sido muito mais hesitante em repudiar a adesão de Trump às ditaduras demagógicas, na condução da política externa”, analisou. Ackerman adverte que 100 dias de governo são um prazo muito curto para prever o resultado dos próximos quatro anos de Biden à frente da Casa Branca.
» Eu acho…
“É claro que há uma sensação geral de sanidade e de calma que Joe Biden trouxe à Casa Branca, depois dos anos extraordinariamente amargos, divisivos e caóticos do governo anterior. Na minha opinião, isso também deve ser considerado um sucesso do democrata.” Matthew Baum, cientista político da Faculdade de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard.
“O tom adotado por Joe Biden é bem diferente do de Donald Trump. Até o momento, Biden fez poucas promessas e mostrou muita ação, o oposto do antecessor. No entanto, é difícil encampar uma mudança radical nas políticas governamentais em apenas 100 dias. Por exemplo, muitos dos assessores indicados por Biden ainda aguardam a confirmação por parte do Senado dos Estados Unidos.” Stephen Yale-Loehr, professor de Práticas de Leis de Imigração na Universidade de Cornell.
“Biden ainda não deu apoio decisivo para a reconstrução das bases democráticas das relações transatlânticas dos EUA com a União Europeia. Também não designou a alguém a tarefa de transformar as políticas de Trump em relação aos demagogos da América Latina.” Bruce Ackerman, professor de direito da Universidade de Yale.